Fiz recentemente cinquenta anos. Não que isso me preocupe do ponto de vista físico, mas num exercício analítico, olhando para trás com o distanciamento sensato que a vida parece conferir, não posso deixar de lamentar as barbaridades que a ignorância de nós próprios nos faz cometer. Não se trata de arrependimento, trata-se de discernimento. Não se trata sequer de corroborar a frase batida do “se eu soubesse o que sei hoje”. Não, não é isso. É, sim, a constatação do que é a evolução do ser humano.
O que outrora nos parecia correcto, a coisa certa a fazer, agora passados alguns anos, à luz do presente e do conhecimento que vamos tendo de nós mesmos, parece não ter passado de uma acção insustentada, infundamentada, completamente errónea. Na ocasião tinha parecido lógica, coerente mas como podem as acções ser lógicas e coerentes quando apenas se tem delas um conhecimento pontual, ocasional, inserido somente nessa faixa de tempo?
As coisas não deixam de ser o que são pela nossa reacção. Elas são o que são e sempre serão o que são, ponto. As nossas reacções geralmente são um esforço inconsciente de mudar o que é, mas isso é uma impossibilidade. A nossa reacção nunca é isenta. Ela nasce do nosso próprio contexto de vida e a prova disso é que perante um mesmo acontecimento, cada um reage à sua maneira. A acção sem um conhecimento mais abrangente da causa e do efeito é apenas uma reacção baseada no condicionamento, no background de cada um, e o resultado só pode ser pura e simplesmente catastrófico!
Assim sendo, porquê reagir? O que aconteceria se em vez da acção, da reacção, a nossa inteligência nos conduzisse à inacção? O que aconteceria se permitíssemos que as coisas fossem o que são? Se não quiséssemos moldá-las, ajustá-las à nossa conveniência? O que aconteceria se a reacção psicológica não existisse? O que seria a vida de cada um se cada um permitisse que ela se desenrolasse naturalmente, sem necessidade de a modificar, de a moldar?
Coloca-se então a questão fundamental: como posso agir a partir de agora para que, dentro de dez ou vinte anos, não chegue à conclusão de que afinal não era bem assim, que no final de contas a lógica, a fundamentação não era essa?
Mudança, transformação, sim, mas em que moldes? E terá importância a lógica, a fundamentação particularizada? E o tempo, que papel desempenhará em tudo isto? Será que é factor de mudança? Ou será apenas uma ilusão, e tudo o que há existe perenemente aqui e agora? Será a falta dessa consciência que nos faz agir e reagir sem nexo, sem lógica, sem compaixão, numa tentativa vã de modelar a vida? Será a contextualização que nos impede de ver a perenidade?
Sejam quais forem as respostas individuais, porque a tendência é arranjarmos uma resposta e uma explicação para tudo, sem ao menos ponderarmos se estaremos na via correcta, alguma vez ousaremos aceitar as coisas como elas são, sem querer mudá-las?
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