Aos homens divido-os em dois tipos: os quietos e os irrequietos.
Os primeiros, os quietos, que contraditoriamente são os que mais ruído fazem, são também os mais numerosos. São aqueles de quem se fala, aqueles que falam dos outros, aqueles que não falam porque têm que se lhes diga, aqueles que falam sempre e aqueles que por mais que falem ninguém os ouve.
Vivem prisioneiros do tempo e contam-no com a mesma ganância que contam o dinheiro. Que também é seu carcereiro. Perdem-se em emaranhados indestrinçáveis de desejos, caprichos e fantasias. Costumo observá-los de longe sem que me notem, e não consigo ver, nas suas actividades tontas e fúteis, um laivozito que seja de sensatez e seriedade. Prefiro as formigas. Além do senso comum que lhes é característico são mais ordeiras e nada barulhentas nem espalhafatosas.
Os homens quietos, os ruidosos, andam sempre curvados sob o peso do passado. Gastam a maior parte da sua energia a relembrar e a festejar, só que com muito mais frivolidade do que antes, os pretensos actos e feitos dos seus ancestrais. Misturam e valorizam por igual tradições, superstições e imaginações, distorcem factos e acontecimentos, e nem parecem importar-se com isso. Constroem, sem alicerces, belos castelos de areia e passam a vida a inventar meios e maneiras de serem o que não são.
Orgulham-se de tornar complexo aquilo que é simples. Por outro lado queixam-se da vida que, dizem eles, é feita de problemas e de dificuldades. Padronizaram os sentimentos e vendem-nos como se de mercadoria se tratasse. Com os pensamentos fizeram o mesmo. E com a inconsciência do ignorante e a sandice do imbecil, dão-se ares de importância e pretendem ostentar uma inteligência que nunca tiveram. Prefiro os macacos. Se alguma coisa padronizaram foi a cata de piolhos, mas pelo menos não se incomodam em parecer mais inteligentes do que o que são.
Os segundos, os irrequietos, são totalmente diferentes e por estranho que pareça são muito silenciosos. São poucos, muito poucos. Têm espíritos revoltos, naturalmente insatisfeitos, são inquisitivos e estão imbuídos de uma inquietação serena e pacífica que penetra afectuosa mas irremediavelmente o mais espesso dos véus da ignorância.
Interiormente turbulentos, movem-se nas areias movediças do pensamento. Exploram o interior humano com a mesma impassibilidade e domínio de um pescador em alto-mar num qualquer dia de tempestade.
De alma inflamada, em rodopios e turbilhões constantes, percorrendo caminhos desconhecidos que levam às profundezas dos infernos e às celestiais alturas do paraíso, os irrequietos permanecem serenos. Só assim podem prosseguir a busca em sendas pejadas de armadilhas e encruzilhadas.
Inebriados por uma liberdade irrefutavelmente plena que só o homem que duvida pode saborear, transportam-se para além das nuvens que ensombram o quotidiano e de mão dada com o que ninguém quer ver, tecem no silêncio e no infinito as próprias redes que sustentam a vida.
Os irrequietos, ao contrário dos quietos, precisam de muito pouco, não anseiam nada e jamais querem ser aquilo que não são.
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