terça-feira, 14 de setembro de 2010

Conto - O dito por não dito - II

Capítulo II

C
hegou o dia da inauguração da tal exposição. A junta de freguesia era um edifício novo e tinha uma galeria de exposições assaz agradável. Não era grande mas a madeira que o revestia emprestava-lhe conforto e calidez e o espaço tornava-se convidativo. Estava lá uma escassa dúzia de pessoas: os artistas que estavam a expor, uma mulher de meia-idade sorridente e com uma postura desinibida que conversava alegremente com eles, uma jornalista bastante jovem e bastante reservada, e algumas pessoas que pausadamente e em silêncio iam contemplando as obras expostas.

D
ecorridos alguns minutos eis que chega o presidente da câmara. Sorridente, acompanhado pelo seu assessor de imprensa, entrou no espaço. A mulher de meia-idade esboçou um amplo sorriso e acorreu a dar-lhe as boas vindas:

-
Muito obrigada por ter acedido ao meu convite Sr. Presidente – dizia ela – fico realmente feliz por tê-lo aqui!

T
rocando apertos de mão, diz ele:

-
Você escreve muito bem – e retirando um pedaço de papel rabiscado do bolso leu em voz alta um par de frases – “Sou…  uma cidadã comum, do mais comum possível. Pauto-me por uma vida simples e principalmente de respeito pelo meu semelhante, seja ele quem for, seja de que cor for, seja qual for o seu estatuto social, religioso, político ou económico. Sou secretária por profissão, escritora por devoção e ser humano por contingência da própria Vida!”

-
Ainda bem que gosta – disse a mulher de meia-idade inegavelmente satisfeita com o elogio – mas o senhor está aqui não por mim mas pelos nossos três artistas, não é verdade? Permita-me que lhos apresente.

U
m a um, a mulher de meia-idade apresentou-lhe os artistas e o sorriso do presidente continuava intacto, exibindo exactamente a mesma amplitude. Depois das apresentações, e tomando um ar mais sério e solene como convém à apreciação de obras de arte, percorreu toda a galeria elogiando os artistas de forma clara e inequívoca. A mulher de meia-idade acompanhava-o e o presidente tecia elogios às obras e às palavras que ela lhe tinha endereçado quando o convidou:

-
Você escreve mesmo muito bem…

-
Qualquer dia publico um livro – respondia-lhe ela a sorrir.

-
E faz-se a apresentação do livro no fórum – dizia ele.

-
Quem sabe! Olhe que não me vou esquecer dessa oferta – ia dizendo ela.

Q
uando terminou de ver todos os quadros expostos, o presidente dirigiu-se aos artistas e para espanto deles e da mulher de meia-idade, ainda com mais solenidade declara:

-
Estou surpreendido com o que vi! Gostei mesmo muito. Estão convidados para expor no fórum da autarquia. Apareçam na câmara para a gente tratar disso!

A
mulher de meia-idade ficou visivelmente agradada e os artistas algo estupefactos. Passados os primeiros segundos de surpresa logo ali se trocaram agradecimentos e elogios e a mulher de meia-idade foi imediatamente nomeada, por entre risos e satisfações, representante oficial dos artistas na organização da futura exposição. O presidente, entretanto, faz saber que está na hora de se retirar e, sem esquecer o sorriso, cumprimentou os presentes e saiu.


(
continua)

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