A palavra liberdade, neste mundo tão incoerente e interesseiro, tem sofrido ao longo dos tempos transformações gigantescas e a verdadeira essência do seu significado jaz algures bem escondida!
Desde que temos memória, em termos históricos, a palavra liberdade sempre significou a ausência de um jugo, de um domínio. Um povo oprimido clamava por liberdade e enquanto não a obtivesse, à custa de sangue se necessário fosse, fazia dela o seu mais elevado ideal. Liberdade a todo o custo sempre foi a ideia que mais se enraizou na mente humana desde os primórdios, e a sua concretização sempre povoou os sonhos do homem. E hoje em dia toda a gente fala de liberdade; liberdade de expressão, liberdade de consciência, liberdade religiosa, liberdade social, liberdade política, liberdade intelectual, liberdade sexual, liberdade racial, liberdade, liberdade, liberdade!
Mas afinal, o que é a liberdade? E porque será que é tão veementemente almejada? Porque será que a liberdade é actualmente um ideal legislado? Porque será que se faz dela um cavalo de batalha sem se conhecer verdadeiramente o seu significado? Porque será que um chamado “atentado” à liberdade pressupõe inimigos, ódios, vinganças, lutas, crueldades, chacinas e até despoleta guerras? Será que o seu significado político, social, intelectual , religioso, mental, consegue fazer jus à sua verdadeira significação, à sua verdadeira essência?
Porque é que achamos que liberdade é ter direitos, é poder fazer isto e aquilo, é poder dizer isto e aquilo, é estar acima daqueles que achamos que a não têm, é exigir mais e melhor, é avançar na direcção que queremos sem nos preocuparmos com os danos que causamos, é cultivarmos um estilo de vida sem sequer sabermos o que isso verdadeiramente significa? Porque é que achamos que liberdade é termos opiniões e manter-nos teimosamente fiéis a elas e enfrentar tudo e todos para as defendermos, é termos o direito de julgar os outros meramente a partir dos nossos próprios pontos de vista? Porque é que achamos que liberdade é podermos criticar, magoar, ferir, caluniar, difamar, condenar, odiar aqueles que não pensam como nós, que não partilham das nossas opiniões, ou podermos amar, venerar, adorar, respeitar, reverenciar aqueles que pensam como nós? Porque é que achamos que liberdade é afirmar eu quero, eu posso, eu exijo, eu tenho, eu mando?
Será liberdade quando expresso as minhas opiniões e fico interiormente melindrado porque não foram aceites pelo meu interlocutor? Será liberdade quando teimosamente insisto num estilo de vida que sei que a maior parte das pessoas no mundo não pode ter? Será liberdade quando cometo extravagâncias em nome de um ego egotista e exuberante que se alimenta de aparências? Será liberdade quando me associo a um grupo e me restrinjo a uma ideologia benéfica para uns e maléfica para outros? Será liberdade quando me entrego a uma religião e segrego todos aqueles que não partilham dela?
E nas coisas comezinhas, naqueles pequenos acontecimentos do quotidiano? É liberdade quando faço parte de um partido político e acho que todos os opositores estão errados? Ou quando sou adepto de um clube de futebol e considero todos os outros idiotas porque não vestem a mesma camisola que eu? É liberdade brincar aos gastrónomos em orgias gourmet enquanto milhões morrem de fome? É liberdade usar roupas de marca enquanto milhões se vestem de andrajos? É liberdade desejar um animal de estimação e logo que este compromete as férias, deixá-lo ao abandono, totalmente indefeso? É liberdade gesticular e proferir impropérios contra o condutor que segue normalmente à nossa frente só porque ele não tem a pressa que nós achamos que temos?
Caro leitor, nada do que foi até agora perguntado é liberdade!
Liberdade não é oposição, resistência, segregação, divisão, elitismo, direito, prevalência, maioria, personalidade, identidade, capricho, desejo, vontade. Não é sonho, ideologia, objectivo, meta, finalidade. Liberdade não é razão, opinião, intelectualidade, abstracção. Liberdade não é ostentação, não é damagogia, não é política nem religião. Liberdade não é conquista, não é vitória, não é símbolo nem doutrina.
Liberdade é discernimento; liberdade é modéstia, é humildade; liberdade é altruismo, é compreender aquilo de que os outros necessitam. Liberdade é abnegação, étudo o que posso dar em troca de nada, é conhecer-me e por isso conhecer os outros e saber exactamente de que precisam. Liberdade é prescindir, é abdicar, é pôr de parte tudo o que cultiva o egoismo, tudo o que alimenta o individualismo, tudo o que fomenta o antagonismo. Liberdade é semear bem e colher melhor, é saber a diferença entre o bem e o mal. Liberdade é conhecer a causa e o efeito, é conhecer a lei universal que rege a vida, é ver as coisas tal qual elas são. Liberdade é abstenção de julgamento, de condenação; é entendimento e compaixão. Liberdade é a palavra que fica por dizer porque nasceu da ira; liberdade é o pensamento que truncamos à nascença porque lhe conhecemos os efeitos; liberdade é o acto que sensatamente decidimos não praticar porque fere outros ou a acção que branda e generosamente praticamos porque sabemos que será beneficiente. Liberdade é saber que o que sou está em harmonia com o que somos. Liberdade é comunicar em silêncio e agir em silêncio.
A liberdade não é uma noção. É uma forma de viver.
A liberdade não é uma abstracção. É uma acção direccionada.
A liberdade não é um conceito. É uma conduta universal.
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