Faço hoje cinquenta anos. E desde que tenho memória do meu ser, continua, persistente e constante, este estranho burilar!
Estranho mas real este burilar interno! Não é constante, chega aos tropeços, aos borbotões… ou então pura e simplesmente não acontece e deixa no espírito um estado inerte, privado de movimento, letárgico…
Estranho mesmo, porque às vezes dura uns minutos, outras vezes prolonga-se nos dias com o mesmo vigor com que iniciou o seu labor. Quase sempre surge depois de um período gélido, de um estádio de torpor quase doloroso em que o vazio e o nada procuram quase em vão preenchimento. Surge depois de um prolongado inverno, em que a alma se ajeita e se aconchega e sonha desperta com o chegar de uma primavera triunfante. É como um lançar da semente à terra, e depois olhar os campos aparentemente nus, mas albergando já no olhar um vislumbre da abundante colheita que virá.
E então, quando chega, explode por dentro em todo o seu esplendor! E aí se toma consciência de que cada átomo de cada célula foi cuidadosamente burilado, artisticamente trabalhado; e em cada átomo de cada célula ficou gravado, eternizado e cristalinamente compreendido tudo aquilo que a razão, que não chega aos tropeços, aos borbotões, que não fica em pousio, que não se aconchega no frio de um inverno e que não sabe o que é semear, e mesmo que arcaboiço para tal tivesse, levaria toda a eternidade para compreender!
Mas para mim, é mesmo assim, porque eu vivo do que se não vê. Alimento-me daquilo que, escondido, espreita por vezes por entre a loucura aceite do quotidiano. Vivo no que se não vê e para o que se não vê. A cada instante me regenero no que vou descobrindo e cada descoberta é o limiar de outras que infinitamente se estendem no oceano das possibilidades.
Estranho mas real este eterno, contínuo, insistentemente sensato, burilar interno!
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