Riscaram-me a alma e o coração com riscos algo profundos quando me forçaram a ajoelhar perante um deus. E eu não sabia o que era. E prenderam-me as asas quando me disseram que não podia passar os limites. Que esse deus castigava. Que arderia nas chamas do inferno. E eu também não sabia o que era o inferno.
Riscaram-me o cérebro garantindo que a história do homem era a que me contavam. Que os feitos e as glórias passadas eram uma herança que eu tinha de carregar. Tentaram aprofundar esses riscos quando me quiseram educar. Quiseram riscar-me com heróis de guerras estúpidas e de conquistas cruéis. Tentaram riscar-me com valores inconsistentes, com teorias insustentáveis, com sistemas e leis facciosos. Quiseram riscar-me de tal modo que tivesse por verdadeira a mentira.
A maior parte dos riscos resvalaram nas verdades que a minha alma firmemente albergava. Outros atingiram-me tenuemente já que não penetravam na espessa couraça do meu sentir. Outros ainda, descartei-os eu esquivando-me deles porque achei que não me assentariam. Ficaram apenas uns poucos, quiçá porque abriram sulcos mais profundos. Poli-os cuidadosamente. O tempo ajudou a disfarçá-los e hoje mal se notam.
É uma questão de estarmos atentos. Podemos passar pela vida com apenas alguns riscos superficiais. E além disso podemos sempre poli-los, minimizá-los. Podemos até encontrar-lhes uma utilidade. Ou podemos simplesmente aceitar a sua existência de uma forma tal que não coarctem no mais mínimo a nossa liberdade.
É assim que temos de passar pela vida. Incólumes e intocados na nossa essência, ainda que algo riscados superficialmente...
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