domingo, 23 de outubro de 2011

Por que lutamos afinal?

A bem da verdade, lutamos pela justiça em geral ou pelo nosso próprio bem-estar?

O certo é que passamos a vida indignados com as atrocidades e as misérias e as injustiças que acontecem por esse mundo fora. Revoltamo-nos contra a corrupção, o poderio económico, as desavenças políticas ou religiosas, do nosso e de países que nem sequer conhecemos. Emitimos opiniões peremptórias sobre governos, políticos e mafias. Condenamos terrorismos e guerras e regimes. Fazemos juízos dos outros. Rotulamo-los de forma implacável. Achamo-nos detentores da razão, acreditamos firmemente estar pautados por inquestionáveis princípios de honra.
Contudo, a sociedade, a civilização, é tão só o reflexo das nossas atitudes, da nossa superficialidade, da nossa perigosa imaturidade, da nossa nociva forma de existir.
Passaram-se milénios de civilização. Já deveríamos ter aprendido algo. Já deveriamos ter ultrapassado os nossos instintos básicos, violentos e egoístas. Já deveríamos ter abandonado a visão redutora e abraçado a visão abrangente. Mas não. Continuamos exactamente na mesma. Revoltamo-nos, indignamo-nos, opinamos, julgamos e condenamos.  Mas fazemo-lo sempre em relação aos outros. Sempre em relação ao que nos é exterior. E quanto a nós próprios, como indivíduos? Julgamo-nos e condenamo-nos a nós próprios? Emitimos opiniões sobre as nossas próprias acções?
Não. Não o fazemos. Porque achamos que estamos cobertos de razão. Porque achamos que somos melhores que os outros. Porque achamos que temos pleno direito à nossa vidinha fútil. Porque achamos que temos direito ao nosso telemóvel e ao nosso computador de última geração, ao nosso automóvel topo de gama e ao nosso GPS, à nossa casa atafulhada de confortos e às mil e uma utilidades inúteis de que fazemos questão de rodear o nosso dia-a-dia. Porque achamos que temos direito a jantar fora, a degustar pratos gourmet regados com a colheita X ou Y nos restaurantes em voga, a exibirmo-nos com roupas e adereços com a marca dos estilistas do momento. Porque achamos que temos direito a férias de sonho,  de preferência nos destinos frequentados pelos políticos e pelos Vip’s ,e a empregos que nos inflam o ego, nos inundam de prestígio, o que quer isso seja, e a sentirmo-nos invejados.  Porque achamos que temos direito a empanturrar-nos de cerveja ou afins e a sentarmo-nos em frente ao plasma a ver jogos de futebol em HD. Porque achamos que temos direito a ter o que o outro tem, a ser o que o outro é.
Tentamos saber tudo das vidas ditas glamorosas, sofisticadas, famosas, públicas. Essas interessam-nos, nem que seja para criticar. Tentamos esquecer, contudo, e a todo o custo, as histórias tristes, as vidas miseráveis que nos rodeiam. Afastamo-nos delas porque nos ensombrecem os sonhos megalómanos. Só vemos o que queremos ver. E esta atitude dita o rumo que o mundo leva.
Vivemos num faz-de-conta que mete dó. Somos marionetas escravizadas pelos nossos próprios desejos, manipuladas por aqueles que muito intima e secretamente admiramos e imitamos.
Porque reclamamos agora? Porque nos indignamos e nos revoltamos agora? Muito simplesmente porque vemos goradas as possibilidades de continuar a alimentar as nossas manias de grandeza. Fluísse o dinheiro como em outras ocasiões, e estaríamos bem caladinhos mesmo que soubéssemos que outros metiam a mão onde não deviam, que usufruiam de direitos que não deveriam ter, que desviavam fundos em proveito próprio, que prejudicavam os necessitados em favor dos já abastados, que chacinavam inocentes em nome de um deus ou de um poderio.
Metamos a mão na consciência e ponderemos sobre a fonte da nossa indignação. Se a situação, quer no país, quer no mundo, está como está, a nós se deve. Somos culpados, cada um de nós. E o facto de sacudirmos a água do capote, de atirarmos as culpas a outros, apenas demonstra a nossa imensa estupidez.
É muito bom que nos revoltemos, sim, mas contra nós próprios. Fomos nós que ditámos as regras do jogo. Fomos nós, com a nossa ânsia de poder, com a nossa ambição e egoísmo desmesurados, que criámos a situação actual.
Queremos mudança? Então comecemos nós por mudar. Porque a mudança só pode dar-se em nós próprios, em cada um de nós. Só a mudança individual poderá provocar a mudança global.
Mudemos pois, lutemos pois, mas façamo-lo de dentro para fora!

1 comentário:

  1. Ao gotejar uma fração de sabedoria em nossa mente já estamos preparados para doá-la. Ao gotejar uma porção de conhecimento já nos achamos donos da verdade do universo.

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