Hoje, mais do que nunca, falta-me o que ainda não sou, faltam-me os momentos calmos, pululados de inquietações apaixonantes. Sinto-me plena de sentimentos e de encontros com a verdade, mas não me sacio. Quero ir em busca do caminho que apenas vislumbro, envolta que estou no cinzento que paira sobre o Homem.
Hoje, mais do que nunca, sinto o nó da incompreensão, sabendo contudo que basta um passo, a ação certa, para que tudo se desvaneça. Mas hoje também sei que, ainda que latente e pulsante, nada vai brotar que apazigúe esta dor imensa, minha, de todos.
Hoje, mais do que nunca, estou capaz de abraçar o silêncio e mergulhar prazenteiramente no meu interior,fazendo nele espaço para albergar o mundo inteiro.
Hoje, mais do que nunca, sinto que as palavras, imprecisas e insuficientes, são o único bálsamo para a dor que me atormenta: não a definem, não, mas atenuam-na em milhões de possibilidades.
As palavras, as minhas palavras, não são prantos de tinta ou grafite, são estuários, são ondas que imprimem movimento ao pensamento. São bonança depois da tempestade, são brisa que não quer ser vento, são chuva miúda terna e brandamente caída em telhado de zinco. Não são livro, nem jornal, nem artigo; são apenas o espelho onde me miro e onde tento, incessantemente, reflectir-me.
Raízes, já as não tenho. Já vagueio pelo mundo à procura. Já não me vinculo à minha cidade, já me espraio por outras terras e outros mares, já não pertenço só a este pequeno cubículo do universo.
Eu, aquela que quer abraçar tudo e todos. Eu, aquela que esgaravata e tenta apartar! Eu, aquela que, quando não se entende, se sente desmoronar, mas que jamais abandona o campo de batalha, jamais desiste da busca.
Bendita essa força que me faz mover, bendita essa fome de saber, essa sede de existir, essa revolução efervescente que me queima por dentro e me amansa a revolta vã. Por vezes, só por vezes, mato a fome e a sede… outras vezes faço jejum num ramadão sem sentido, desprovido de bênçãos mas rico em anelos. Anelos de ir mais além, anelos de mergulhar na mansidão do absoluto e de pairar tranquilamente na essência, em plenitude.
Por vezes chafurdo na mesquinhez para sentir o outro lado, afundo na lama para sentir o enlevo, confronto-me com o transitório para sentir o espírito: dualidade antagónica que ora fere, ora cura!
Hoje, mais do que nunca, entrego o meu silêncio aos gritos desesperados da alma. Hoje, mais do que nunca, procuro-me e perco-me entre uma multidão de pensamentos semi-gerados, voláteis, inconsequentes e dou voltas e reviravoltas no sofrimento de todos, que é meu também…
Mas eu sei que posso confinar-me a um espaço ínfimo e sentir-me na imensidão. Sei que posso estar encerrada e sentir-me livre. Posso sentir o peso de quatro paredes e comungar com a natureza. Só não posso fingir o meu sentir… E por vezes não me sinto, não me noto, estando acordada. Outras vezes durmo, e sou eu! Umas vezes divago e esvazio-me, outras foco-me e estou plena. Persegue-me esta dualidade antagónica, mas é ela que me faz acordar, é ela que espevita o meu fogo e alimenta a sua combustão. Da dualidade nasce a escolha, não a escolha ocasional, mas a escolha matriz!
Navego sozinha, porém partilho os ensinamentos da escola do silêncio… Vou calada e volto muda, vou pobre e volto enriquecida… Cada vez que penso, cada vez que escrevo, acrescento uma jóia inestimável ao meu tesouro, que sendo já grande, e embora eu nada possua, poderá ser infinito… É esta a única riqueza que me seduz!
Hoje, mais do que nunca, não me importo que continues a pensar que sou uma imbecil...
Cara Isabel,
ResponderEliminarsua escrita é feita de sangue, suor, lágrimas, tudo envolto num delicado embrulho de seda azul, como forma de suavizar o que é dito, mas nem por isso deixar de dizê-lo. É só abrir esse embrulho e mergulhar no conteúdo.
Dá gosto correr os olhos pelo seu texto e sentir tudo o que ali está. Só não vê quem não quer.
Parabéns,querida amiga de Portugal!