A verdade é que ninguém fala dessas coisas, aparentemente ninguém as questiona e vão, portanto, sendo tomadas por certas entrando no nosso dia-a-dia quase sem darmos por isso. Mas o pior é que eu, além de muito burra, sou obstinada que nem uma mula e tenho uma vontade férrea de compreender. Prefiro marrar inflexivelmente até que se faça luz no intuito, quiçá vão, de não morrer tão burra. Não descanso, portanto, até que o meu cérebro se acalme com uma explicação lógica, espontânea e naturalmente advinda de uma ponderada reflexão sobre a razão de ser das coisas.
É claro que tudo isto, embora seja muito fácil de dizer, para uma burra como eu constitui tarefa titânica. E ainda por cima, se fosse só uma coisa que eu não compreendesse, ainda vá que não vá, mas são muitas, são mais que as mães, são praticamente infindas. E, como além de burra sou distraída, parece que, a cada pedra em que tropeço no meu ameno e jumentil percurso quotidiano, surge uma coisa nova e incompreensível.
Outra agravante lhes acrescento: é que quanto mais mexo nas coisas, na tentativa quase desesperada de lhes encontrar, à luz do meu burrical cérebro, um só sentidozinho que seja, mais elas começam a feder, mais peçonhentas se tornam, e mais se emaranham com outras que, até aí, não haviam todavia espicaçado a minha asnática curiosidade.
Para que melhor entendam as dificuldades de alcance da minha parca inteligência, vou dar-lhes alguns exemplos.
“Este orçamento de estado”, dizia o outro, “viola promessas eleitorais”. Ora eu, que sou muito burra, pergunto “Mas e então as promessas eleitorais são para se cumprir? Eu julgava que as promessas não passavam disso mesmo, meras promessas sem concretização em vista. Para os políticos as promessas não têm prazo de validade, pois não?”
Ouvi dizer que uma grande percentagem dos portugueses sofre de perturbações mentais, figuras relevantes e importantes desta naçãozita nela incluídas. Até aqui nada de novo. Até eu, que sou muito burra me apercebo disso. Agora, o que me preocupa – e o que seria, sim, digno de nota e de menção nos meios de comunicação – é o facto de que ninguém parece importar-se com as perturbações motoras que afectam a grande maioria da classe política. Coitados, é que nem capazes são de conduzir um automóvel! Deve ser bem frustrante ter de depender de terceiros, neste caso de motoristas, para se deslocarem de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Sim, porque a política é um trabalho, como muitos outros mas que requer mais responsabilidade, não é? Ou estou outra vez a ser muito, muito burra?
Anunciaram um aumento no IVA da electricidade. Por acaso recebi hoje mesmo a minha conta da luz. E lá está ele, o aumento, bem aplicado aos consumos a partir do primeiro dia do mês. Mas depois, um olhar mais atento descobre que a taxa de exploração – a taxa que substitui o antiquado aluguer do contador – também se pode ver acrescida daquele mesmo aumento. E eu, que sou burra que até dói, pergunto com ar francamente espantado “Olha lá, mas a taxa de exploração também se consome? Eu pensava que essa taxa era fixa por muitos e longos anos, tantos que se fizermos as contas podíamos oferecer contadores, digo taxas de exploração, a todos os indivíduos da comunidade!”
Ah, é verdade, na conta da água chamam outra coisa ao contador, chamam-lhe componente fixa! Quem me dera não ser tão burra e ter sido dotada à nascença de semelhante imaginação e inteligência!
Outra coisa que também não percebo é a contribuição audiovisual. Sim, já sei que sou burra e que qualquer jumento comparado comigo é um doutor, mas raciocinem comigo: eu, vivendo num país democrático, escolho uma operadora de audiovisuais e faço com ela um contrato para o serviço que melhor se adapta às minhas preferências. Ora, se realmente vivo num país democrático, as minhas escolhas são soberanas e inalienáveis. Então, assim sendo, porque é que, como se de um acto de ditadura se tratasse, me obrigam a pagar outra operadora, que não escolhi e que ainda por cima oferece serviços de informação adulterada, entretenimento demagógico e (des)cultura manipulada? Pois, pois, eu sei que sou burra, mas na verdade não consigo perceber!
E a taxa de ocupação do subsolo, que as câmaras municipais aplicam na conta do gás? Isto então é que me mói o juízo. É um verdadeiro desafio à minha estupidez e dá asas ao meu asnear. É que eu pensava que a terra que piso e aquela que lhe está mais abaixo fizesse parte do meu legado natural por ter nascido na Terra e do meu legado biológico que me imprimiu marca de mamífero e me pôs a andar a duas, não me dotando pois nem de dentes de toupeira para esquadrinhar o subsolo nem de asinhas para não tocar na terra.
Jamais se me ocorreu que a evolução técnica, usando a terra como meio infra-estrutural, fosse passível de taxação individual. Mas é claro que, como sou muito, muito burra, pensar que se trata de uma astuta e subtil forma de extorsão é com certeza um atentado à boa-fé e à moralidade dos municípios.
Não posso, no entanto, nestas minhas asininas deambulações, deixar de pensar que a ocupação do espaço aéreo – segundo os municípios, é o espaço que fica por cima da cabeça dos transeuntes e dos passeios que eles usam – também é taxada! Se não acreditam perguntem aos proprietários de cafés que queiram ter um tolde de abrir e fechar… E na minha tosca burrice, não consigo parar de pensar que um dia qualquer irão fazer-me pagar pela ocupação espacial do meu volume corporal.
Que pena tenho de ser tão burra. Se tivesse ao menos a inteligência da maioria das pessoas podia ser que conseguisse compreender. Mas como não tenho, nada mais me resta do que chafurdar nesta excrementícia porcaria e tentar vislumbrar-lhe algo de positivo!
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