terça-feira, 14 de setembro de 2010

Conto - O dito por não dito - IV

Capítulo IV

O
nze meses se passaram e a coisa nem atava nem desatava.

O
presidente continuava a frequentar o café habitual e, olhando-se para ele, lia-se-lhe no rosto a expressão mais inocente do mundo. Os compinchas da política continuavam a poder contar com as benesses de quem está no poder: mais um murozito ali na casa do vereador X, mais uns saquitos de cimento e uns tijolos acolá para a moradia do vereador Y, um arranjozito no jardim do vereador Z e um empurrãozito no licenciamento para o doutor Fulano de Tal! Claro que os materiais e a mão-de-obra eram da autarquia, claro que um “jeito” na papelada é sempre rentável, portanto, desde que as gentes andem contentes e satisfeitas com festarolas, inaugurações e afins, desde que continuem com um comportamento social cristalizado e apático, e permaneçam naquela ignorância inerte que fecunda e fortalece as raízes do poder e da corrupção, que importa o que se faz na sombra?

R
einava, pois, naquela cidadezinha, a paz aparente e a passividade ilusória de uma comunidade tipicamente humana, com todo o egoísmo e interesses puramente pessoais que, a nível global, fazem com que a humanidade não saia do profundo marasmo básico e primitivo de uma civilização a anos-luz de saber o que é a verdadeira evolução. Sim, porque a sociedade, a civilização é o reflexo de cada um, o reflexo de cada acto individual, por mais oculto ou manifesto, por mais ínfimo ou grandioso que seja!

A
mulher de meia-idade, com aquela forma de ser activa, enérgica e directa que tão bem a caracterizava, e que, descobriu mais tarde, incomodava muita gente, permaneceu firme no propósito de concretizar o convite presidencial. Os artistas que ela representava mereciam que ela se esforçasse. Continuou portanto a insistir e, finalmente, vencendo-os pela exaustão – pensou ela – conseguiu reunir-se com os responsáveis por segunda vez. Como era de esperar, a reunião decorreu com aquela falta de entusiasmo, por parte dos ditos responsáveis, que delata uma profunda contrariedade. Ficou então acordado que muito em breve comunicariam o período de tempo em que seria possível realizar a exposição. Quando o fizeram, nem se dignaram contactar directamente a mulher de meia-idade. Simplesmente incumbiram uma funcionária, que nunca tinha estado envolvida no processo, de transmitir telefonicamente as datas.

-
Bom dia. Pede-me o doutor Cicrano – o tal “entendido” e aspirante a crítico de arte – para lhe dizer que pode escolher a data da exposição – dizia a funcionária, comunicando o período em que a sala de exposições estaria livre. E a data foi finalmente escolhida!

H
avia toda uma série de coisas a preparar, a organizar. A mulher de meia-idade, tendo bem uma noção do trabalho que seria necessário efectuar e no intuito de definir objectivamente o que seria de sua incumbência e o que seria da incumbência do respectivo pelouro, tratou de contactar o responsável pela exposição.

-
Boa tarde! Seria possível ligar-me com o doutor Cicrano?

-
Boa tarde. Só um momento.

-
Obrigada.

-
Estou – disse uma voz de mulher.

-
Sim, muito boa tarde. Seria possível falar com o doutor Cicrano?

-
E qual é o assunto?

-
É a exposição conjunta que vai efectuar-se dentro de duas semanas sensivelmente a convite do presidente.

-
Ah, sim, já sei. Pode falar comigo porque sou eu que vou tratar disso – disse a mulher, apresentando-se de seguida – sou a Isaura, a irmã do Cicrano.

F
oi inevitável que pela cabeça da mulher de meia-idade passasse, como um relâmpago, o slogan batido de “jobs for the boys” que obviamente inclui no conceito os chamados tachos para os familiares.

-
Muito gosto – disse a mulher de meia-idade. – Estou a ligar para definirmos com a maior exactidão possível o que é preciso fazer – continuou ela.

-
Não se preocupe. Agora é comigo. Preciso é que me mande a sinopse e o logótipo da exposição para eu começar a fazer o mailing

-
Ah, são vocês aí que fazem o mailing? Óptimo. E quanto aos convites?

-
Somos nós que os fazemos também.

-
O convite ao presidente também?

-
Sim, sim, nós tratamos de tudo – insistia ela.

-
E o Porto de honra? E a informação aos meios de comunicação social? – perguntava a mulher de meia-idade, tendo dificuldade em acreditar num serviço tão, digamos, amplo e expedito por parte da função pública.

-
Nós tratamos de tudo, – repetia a irmã do doutor Cicrano – somos profissionais, sabemos o que fazemos – garantia ela.

E
ntretanto, a mulher de meia-idade pensou que seria correcto também ela endereçar um convite ao presidente. Afinal tinha sido ele o impulsionador de tudo isto e ela tinha estado presente desde o início. Quase sem dar conta, veio-lhe no entanto à mente o silêncio do presidente em relação à sua última mensagem, aquela em que ela lhe comentava a falta de interesse e a deliberada passividade do pelouro da cultura. Sacudindo esse pensamento com veemência por não querer incorrer em maus juízos, precisamente ela que, até prova em contrário, acreditava piamente que todo o ser é bom por natureza, começou a redigir o convite ao presidente. “Estimado Sr. Presidente” – escrevia ela – “… a concretização do seu convite só estará totalmente ultimada quando… nos agraciar com a sua inestimável e imprescindível presença… “ – ia continuando ela – “ … com profunda gratidão…” – e lá enviou o convite.

O
s dias foram passando e o presidente nem tugia nem mugia em relação ao convite. A mulher de meia-idade, apesar de, por essa altura, ter já começado a somar dois mais dois, recusava-se determinantemente a aceitar que o que vinha pensando pudesse ter algum fundamento.

N
a véspera da inauguração da exposição, pegou no telefone e falou com a irmã do doutor Cicrano para se certificar de que tudo estaria em ordem para o dia seguinte. O facto de os convites lhe terem sido entregues apenas três dias antes da exposição não a tinha deixado muito tranquila quanto à capacidade de organização do pelouro.

E
falando de convites, muito curioso era o facto de neles constar, fazendo o convite, o nome do presidente e o do vereador do pelouro da cultura! O nome do presidente indiscutivelmente teria que constar nos convites oficiais, mas… o do vereador do pelouro da cultura? Se o fulano nem sequer foi mencionado ou apareceu em altura alguma deste processo que durou dois anos?! Mas pensando bem, isto apenas confirmava a regra. Aqueles que se julgam importantes e poderosos não fazem o trabalho sujo, apenas o planeiam e o sugerem com subtileza e requinte aos funcionários servis e interesseiros; e estes, sendo como autómatos acéfalos e portanto não pensantes, não sentem o cheiro da imundície quando lhe metem as mãos, porque, estupidamente, estão já inebriados pelo perfume do poder que julgam hão-de vir a ter um dia! E quando o trabalho está feito, quem colhe os louros, e apenas daquilo que lhes convém, são os que urdem as tramas e não os que chafurdaram na porcaria!

-
Queria apenas certificar-me de que está tudo em ordem para amanhã – disse ela à irmã do tal doutor.

-
Nós somos profissionais – dizia ela, com um tom de resoluta afirmação que decididamente não convencia. – Está tudo pronto.

-
E o mailing e tudo isso? – insistia a mulher de meia-idade.

-
Fique descansada. Está tudo tratado.

-
Bom, então muito obrigada. Espero ter o gosto de a conhecer amanhã na inauguração! – e despediu-se.


(
continua)

Conto - O dito por não dito - III

Capítulo III

Tinha-se passado quase um ano. A cidadezinha continuava pacificamente enraizada na sua rotina.
Quase nada tinha mudado: os rituais sociais eram os mesmos, as discussões de café repetiam o de sempre, o trânsito às horas de ponta continuava infernal e os cães, sem e com dono, continuavam a defecar pacificamente nos passeios sem que alguém parecesse importar-se ou até se tocasse pelo facto das caganitas serem do seu próprio animal de estimação. De vez em quando lá se ouvia uma imprecação proferida entre dentes: - Merda, lá borrei os sapatos todos! – mas a coisa ficava por aí. Aliás como tudo fica por aí. Passa-se um pano ou uma folha de jornal para limpar os vestígios da porcaria que se calcou e passada a fúria inicial da constatação de um facto desagradável e tão rapidamente quanto o cheiro desaparece, o conformismo volta, impávido, a instalar-se nos corações empedernidos e nas mentes mentecaptas do cidadão robotizado.

A
mulher de meia-idade, sentada em frente ao seu laptop, como tantas vezes fazia, antes de começar a escrever relembrou mentalmente e com um sorriso aquele fim de tarde de inauguração na junta de freguesia. Inspirada pelas lembranças agradáveis, começou a escrever:

"
Estimado Sr. Presidente, esperando que se recorde de mim… “ e lá ia escrevendo embalada por um convite que lhe pareceu sincero, espontâneo, verdadeiro. “Num mundo que se vê cada vez mais insensível, indiferente ao sofrimento dos seres humanos, num mundo que insiste em mergulhar profundamente nas trevas e que não deseja sequer vislumbrar a sensatez e a formosura da claridade, num mundo de crescente crueldade, do salve-se quem puder, nem que isso signifique espezinhar das formas mais hediondas o nosso semelhante, é preciso que a sensibilidade de uns poucos, que o seu sentido de preocupação e de seriedade, que a sua inequívoca e verdadeira intenção de mostrar o lado belo, criativo e humano do homem possa florescer! Ainda que em pequena escala, ainda que num pequeno círculo, o importante é que a semente seja lançada à terra!

"
E foi precisamente esta oportunidade de semear que o Sr. Presidente tão simpática e altruisticamente ofereceu aos artistas que dentro de si transportam o desejo fervente de uma humanidade melhor, mais sensível, mais justa; e esse desejo deles manifesta-se, cresce e expande-se em cada obra que criam, em cada mensagem que, cada um à sua maneira, transmitem; ao convidá-los para expor no fórum do concelho, o Sr. Presidente ofertou, não só a eles mas a todos, um solo fértil para que a semente de um mundo melhor cresça e prolifere!

"
É, pois, neste âmbito, que venho de novo incomodá-lo com as minhas palavras, pedindo-lhe que, tão prontamente quanto as suas ocupações lho permitam, me indique qual seria a melhor data para a realização da exposição…”

A
resposta não se fez esperar. Dois dias depois o chefe do gabinete da presidência faz saber à mulher de meia-idade que o presidente “de imediato despachou o assunto ao Vereador do Pelouro da Cultura para tentar arranjar uma data em que fosse possível realizar-se a exposição que sugere.”

-
A exposição que sugere? Que sugere? Mas eu não sugeri nada. Foi o presidente que convidou… – pensava ela enquanto lia e relia o e-mail tentando perceber o verdadeiro valor e sentido da palavra “sugere”.

P
assadas duas semanas, a mulher de meia-idade, a tal que entre risotas e boa disposição tinha sido nomeada representante dos artistas, recebe um e-mail de um funcionário do pelouro da cultura a solicitar que ela o contactasse para marcarem uma data para a calendarização da exposição. Podia ler-se no e-mail “gostaria que entrasse em contacto comigo no sentido de combinar uma data para nos encontrar-mos no forum, para ter opurtunidade de conhecer os trabalhos que pretende expor, assim como discutir pormenores para a calendarização e produção de uma exposição.” Os erros ortográficos eram tão gritantes que não só fariam cair o Carmo e a Trindade como fariam corar todas as pedras da calçada, e a mulher de meia-idade deu por ela a questionar-se sobre como era possível trabalhar-se numa área ligada à arte e assassinar uma língua de forma tão contundente. Sim, porque para ela, as palavras constituíam um tesouro e deviam ser respeitadas. Aliás, deviam ser respeitadas tanto as palavras como a palavra.

A
reunião foi agendada telefonicamente e o diálogo tido foi insípido e insensível. A frase infeliz nessa altura pronunciada pelo funcionário – “nós costumamos trabalhar com artistas” – era já indubitável prenúncio do lastimável desfecho que um convite presidencial, ou melhor, uma “escorregadela” presidencial, viria a ter. Mas não nos adiantemos aos acontecimentos! A mulher de meia-idade à hora marcada, ou melhor, um pouco antes da hora marcada, encontrava-se já no local combinado. Convidaram-na a sentar-se e pediram-lhe para aguardar. Agradeceu e sentou-se. Estava um pouco cansada e tinha andado à pressa para não se atrasar, já que era sua convicção que o tempo dela era tão importante quanto o dos outros e portanto tinha por hábito não se fazer esperar. Era uma questão de respeito pelos outros, dizia ela muitas vezes.

E
sperou talvez uns vinte minutos. Então, com um andar algo indolente e desconchavado, lá apareceu o funcionário do pelouro da cultura. Com um ar estudado que exibia talvez para tentar transmitir uma segurança e uma superioridade que na realidade não tinha, intento esse perfeitamente inútil aos olhos de um qualquer atento observador, o funcionário deu início ao seu discurso. Em cada palavra tentava deixar ficar patente o distanciamento que pretendia criar. Nada, no entanto, que afectasse a mulher de meia-idade que, sem papas na língua e sem preconceitos e inibições, lhe estendia, a pedido dele, o portfólio de um dos artistas.

O
funcionário, pegando nele, fez um notório esforço para, desta vez, dar ares inequívocos de entendido. Esforço inútil, diga-se. Folheou-o lentamente e com uma expressão que ele supunha ser de especialista na matéria, e com a mesma lentidão, exclama:

-
Isto não é um trabalho profissional. Mal tem qualidade para ser exposto.

-
Desculpe-me, mas o senhor é crítico de arte? – indagou a mulher de meia-idade com um tom que podia já deixar adivinhar um certo sarcasmo.

-
Não, não sou – apressou-se a dizer o funcionário.

-
Ah, bom – disse a mulher de meia-idade sorrindo e atirando as mãos para trás num gesto de despreocupação – então o que acabou de dizer não passa da sua opinião pessoal! Assim sendo, podemos continuar – incitou ela.

D
epois deste pequeno incidente que por certo desagradou a ambos, e a cada um por razões diferentes, a impossibilidade de comunicação estabeleceu-se firmemente e ainda mais se solidificou quando a mulher de meia-idade lhe disse que não gostava da pintura de um reconhecido pintor e o funcionário ficou com o ar aparvalhado de quem é beato até ao tutano e é apanhado desprevenido ante uma infame blasfémia. A mulher de meia-idade ainda tentou explicar-lhe que os seres humanos sendo iguais em natureza, não o são porém em matéria de gostos, e que a beleza não pode ser definida por decreto mas reside nos olhos de quem a vê, mas tudo foi em vão. É que quem estuda a cartilha e se autolimita, acreditando piamente que o conhecimento universal e absoluto está nela contido, jamais conseguirá pensar pela própria cabeça e ter o dom do discernimento.

O
s tempos que se seguiram foram tempos difíceis. Começaram pela mulher de meia-idade a tentar obter uma data para a exposição e o funcionário empenhado em não lha dar. Ela telefonava a perguntar se já havia uma data e ele dizia-lhe que todavia não e pedia-lhe para ela voltar a ligar no mês seguinte. Aconteceu duas ou três vezes e a mulher de meia-idade sentia-se algo exasperada.

C
ansada da falta de informação e da inércia em que o pelouro da cultura parecia estar imerso, resolveu escrever ao presidente. Talvez ele conseguisse agilizar as coisas já que tinha sido ele o autor do convite. Se bem o pensou melhor o fez, e para sua surpresa, não recebeu do presidente qualquer resposta. Silêncio total. Como se o e-mail que ela mandou nunca tivesse existido. Depois dos telefonemas foram os e-mails, muitos, que ela mandava directamente para o chefe desse funcionário e aos quais não recebia resposta. E se recebia, eram sempre respostas evasivas e cuja única finalidade era indiscutivelmente a de empalear.


(continua)

Conto - O dito por não dito - II

Capítulo II

C
hegou o dia da inauguração da tal exposição. A junta de freguesia era um edifício novo e tinha uma galeria de exposições assaz agradável. Não era grande mas a madeira que o revestia emprestava-lhe conforto e calidez e o espaço tornava-se convidativo. Estava lá uma escassa dúzia de pessoas: os artistas que estavam a expor, uma mulher de meia-idade sorridente e com uma postura desinibida que conversava alegremente com eles, uma jornalista bastante jovem e bastante reservada, e algumas pessoas que pausadamente e em silêncio iam contemplando as obras expostas.

D
ecorridos alguns minutos eis que chega o presidente da câmara. Sorridente, acompanhado pelo seu assessor de imprensa, entrou no espaço. A mulher de meia-idade esboçou um amplo sorriso e acorreu a dar-lhe as boas vindas:

-
Muito obrigada por ter acedido ao meu convite Sr. Presidente – dizia ela – fico realmente feliz por tê-lo aqui!

T
rocando apertos de mão, diz ele:

-
Você escreve muito bem – e retirando um pedaço de papel rabiscado do bolso leu em voz alta um par de frases – “Sou…  uma cidadã comum, do mais comum possível. Pauto-me por uma vida simples e principalmente de respeito pelo meu semelhante, seja ele quem for, seja de que cor for, seja qual for o seu estatuto social, religioso, político ou económico. Sou secretária por profissão, escritora por devoção e ser humano por contingência da própria Vida!”

-
Ainda bem que gosta – disse a mulher de meia-idade inegavelmente satisfeita com o elogio – mas o senhor está aqui não por mim mas pelos nossos três artistas, não é verdade? Permita-me que lhos apresente.

U
m a um, a mulher de meia-idade apresentou-lhe os artistas e o sorriso do presidente continuava intacto, exibindo exactamente a mesma amplitude. Depois das apresentações, e tomando um ar mais sério e solene como convém à apreciação de obras de arte, percorreu toda a galeria elogiando os artistas de forma clara e inequívoca. A mulher de meia-idade acompanhava-o e o presidente tecia elogios às obras e às palavras que ela lhe tinha endereçado quando o convidou:

-
Você escreve mesmo muito bem…

-
Qualquer dia publico um livro – respondia-lhe ela a sorrir.

-
E faz-se a apresentação do livro no fórum – dizia ele.

-
Quem sabe! Olhe que não me vou esquecer dessa oferta – ia dizendo ela.

Q
uando terminou de ver todos os quadros expostos, o presidente dirigiu-se aos artistas e para espanto deles e da mulher de meia-idade, ainda com mais solenidade declara:

-
Estou surpreendido com o que vi! Gostei mesmo muito. Estão convidados para expor no fórum da autarquia. Apareçam na câmara para a gente tratar disso!

A
mulher de meia-idade ficou visivelmente agradada e os artistas algo estupefactos. Passados os primeiros segundos de surpresa logo ali se trocaram agradecimentos e elogios e a mulher de meia-idade foi imediatamente nomeada, por entre risos e satisfações, representante oficial dos artistas na organização da futura exposição. O presidente, entretanto, faz saber que está na hora de se retirar e, sem esquecer o sorriso, cumprimentou os presentes e saiu.


(
continua)

Conto - O dito por não dito - I

Capítulo I
Era uma pequena cidade, igual a tantas outras; igual a todas afinal, independentemente do seu tamanho e da sua localização geográfica.

Tal como as outras, esta pequena cidade continha em si todos os ingredientes necessários para a sua subsistência actual: tinha pessoas ocas e ambiciosas, tinha pessoas sérias e honestas, ainda que, destas, poucas, muito poucas, tinha edifícios pomposos e elitistas, tinha casas que transbordavam pobreza e miséria. Tinha estruturas públicas que afinal não eram tão públicas assim, tinha estátuas e monumentos que homenageavam vá-se lá saber quem ou o quê. Tinha infra-estruturas deficientes que, como não poderia deixar de ser, beneficiavam uns e prejudicavam outros. E tinha, obviamente, os seus homens de poder, uns corruptos e outros nem tanto, os políticos e os homens de negócios, essa minoria que, à sombra dos interesses pessoais, puxa os cordelinhos do destino dos ignorantes e dos incautos. Como em toda a parte, nesta cidade também se mostrava a obra feita para encobrir a “obra” que se ia fazendo.

Com papas e bolos se enganam os tolos! É antigo o ditado mas sempre tão actual o seu significado! E a cidadezinha tinha, portanto, ostentação e empáfia quanto bastem para transmitir aos cidadãos, aos fúteis e aos ignorantes claro está, a ideia de uma cidade pautada pela modernidade e pelo progresso. Já o mesmo não se passava no que tocava a valores: imperavam ainda os mesmos pelos que se regiam os cro-magnons há cerca de trinta mil anos atrás.

Eram uma constante as críticas e as conspirações de mesa de café, que nunca passam disso mesmo; a coragem que magicamente aparece ante meia dúzia de imperiais, o cortar na casaca alheia que sempre se finaliza com um “Oh, pá, vê lá, não digas nada senão ainda me arranjas problemas”; a bajulação e a aparente vassalagem prestadas aos políticos e às ditas pessoas importantes com toda a parafernália inerente: “se me conseguires isto, arranjo-te aquilo”, “é só fechares os olhos desta vez e vais ver que não te arrependes”, “meu caro, faça-me este favor e verá como isso só lhe trará vantagens”. Como em todas as cidades, um oculto vaivém de “luvas”, um secreto rodopiar de “sacos” e o esboçar de sorrisos que nasciam dos lodos do egocentrismo e das entranhas da ambição de poder, constituíam o quotidiano citadino.

Sentado na esplanada do café que diariamente frequentava, quanto mais não fosse para ter oportunidade de se mostrar solidário e atento no convívio com os seus concidadãos, o presidente da câmara desta pequena cidade olhava em volta com ar satisfeito. A coisa corria-lhe de feição. O partido dele, na oposição, ganhava terreno eleitoral, o que não era difícil dada a conjuntura presente, e o povo, que tem memória curta e comportamento robotizado, se nas anteriores eleições tinha votado no partido do governo, nas próximas votaria no seu partido. Para além disso, na sua autarquia tudo rolava pacífica e serenamente. Ninguém se queixava e por conseguinte nada interferia nos sistemas implantados.

- Bom dia Sr. Presidente! E então, a coisa rola?

- Bom dia – respondia ele com ar de quem sabe que é reverenciado.

- E então diga lá – perguntava curiosamente o cidadão enquanto se sentava algo estrepitosamente na mesa do presidente – o arquitecto Salgado já tem o projecto aprovado?
- O gabinete ainda não me informou acerca disso. Passe pela câmara mais logo, vou ver o que posso fazer.

- Óptimo, Sr. Presidente, óptimo – dizia enquanto esfregava as mãos sapudas que faziam jus à sua estatura pequena e redonda. – É preciso andar p’ra frente. As condições que temos agora para construir o empreendimento são as melhores. Há dificuldades e sabe que quando há dificuldades é mais fácil negociar. Materiais e mão-de-obra, é tudo mais fácil, o senhor sabe.

- Passe na câmara mais logo – concluiu o presidente pousando a chávena do café que tinha acabado de tomar e fazendo menção de meter a mão no bolso do casaco para tirar dinheiro.

- Não, não, Sr. Presidente, deixe estar. Tenho muito gosto em pagar-lhe o café – dizia o cidadão remexendo atabalhoadamente nos bolsos à procura de trocos.

- Bom, obrigado. Então até logo – e dizendo isto levantou-se dirigindo-se ao aglomerado de edifícios autárquicos construídos com o quinhão dos salários de muitas pessoas anónimas cuja única função na sociedade parecia ser a de produzir dinheiro para a classe política malgastar.

Ao entrar no gabinete a secretária seguiu-o até à mesa de trabalho que sem dúvida condizia com o cargo da pessoa que a ocupava: ampla, maciça, algo majestosa e com um toque de luxo, elementos imprescindíveis para poder confraternizar em pé de igualdade com os pares e para intimidar e apequenar os simples e os humildes.

- Sr. Presidente, acabou de chegar este e-mail – disse ela num tom de voz decidido e aparentando um ligeiro desagrado. Estendendo-lhe o e-mail perguntou com secreta esperança – quer que me ocupe disso? O senhor tem os ofícios para rever e assinar e há uma data de processos que requerem a sua atenção imediata…

- Não, deixe cá ver – disse ele pegando na folha de papel e dispondo-se a lê-la – vamos lá ver o que é isto.

E baixando os olhos, pousou-os no papel e iniciou a leitura. A secretária aguardava, calada e em pé, perscrutando com o olhar as expressões que o rosto do presidente ia fazendo à medida que avançava na leitura.

- Huuum – o que é que esta quer? Não tenho a certeza de estar a entender isto muito bem! O que é que ela quer dizer com “um exemplo inequívoco do apoio que uma autarquia pode dar à arte, à verdadeira arte, que é concebida sem segundas intenções”?

A secretária, sempre silenciosa, estava agora completamente focada nas expressões faciais do presidente, que iam do incrédulo até ao espantado, passando pela surpresa, pela dúvida e pela hesitação.

- Diz ela “Gostaria de ter o prazer de o cumprimentar e de constatar que, tal como eu, também o Sr. Presidente, apoliticamente, imparcialmente, apoia a arte pela arte, independentemente de todos os protagonismos e interesses que um tal acto possa suscitar!” – ó Ângela – interpelou ele a secretária – recebemos algum convite do gajo da junta?

- Que eu saiba não Sr. Presidente, mas também não é para admirar… - insinuou ela.

- Olhe, vou responder aqui a esta fulana que terei o maior prazer em aceitar o convite dela e que lá estarei na junta para a inauguração da exposição. E pode ir, não preciso de mais nada.

A secretária saiu fechando a porta atrás de si. Recostado na cadeira de executivo em pele preta e oscilando lentamente para a direita e para a esquerda, uma mão em gesto interrogativo acariciando o queixo e a outra segurando a folha de papel, o presidente lia e relia o conteúdo daquele e-mail.

- Será que a gaja está a gozar comigo ou está a falar a sério? – pensou. – Tem aqui partes que não percebo… não consigo perceber se está a ser sincera ou se me está a insultar com subtileza… Bom – disse pousando o papel e concluindo em voz alta – a junta é da oposição e como sempre os gajos não me convidaram. O convite desta fulana é uma boa desculpa para lá ir e marcar a minha presença.

Começou a redigir a resposta, aceitando o convite e tentando deixar bem patente e sem qualquer interpretação dúbia que:

- … tenho por hábito participar em todas as iniciativas realizadas no concelho – dizia ele em voz baixa à medida que ia batendo nas teclas – ou fora dele, quando envolvem pessoas do concelho, sempre que para tal sou convidado. Só raramente não vou e faço-me representar se, por qualquer motivo estiver ausente ou não posso, de nenhuma forma, estar presente. – continuava ele a teclar.

O texto ia fluindo e à medida que escrevia, sentia que devia dar toda a ênfase possível ao aspecto da aceitação de convites:

– …. uma vez que sempre faço questão de marcar presença… - e lá ia prosseguindo.


(continua)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Eterno burilar

Faço hoje cinquenta anos. E desde que tenho memória do meu ser, continua, persistente e constante, este estranho burilar!

Estranho mas real este burilar interno! Não é constante, chega aos tropeços, aos borbotões… ou então pura e simplesmente não acontece e deixa no espírito um estado inerte, privado de movimento, letárgico…

Estranho mesmo, porque às vezes dura uns minutos, outras vezes prolonga-se nos dias com o mesmo vigor com que iniciou o seu labor. Quase sempre surge depois de um período gélido, de um estádio de torpor quase doloroso em que o vazio e o nada procuram quase em vão preenchimento. Surge depois de um prolongado inverno, em que a alma se ajeita e se aconchega e sonha desperta com o chegar de uma primavera triunfante. É como um lançar da semente à terra, e depois olhar os campos aparentemente nus, mas albergando já no olhar um vislumbre da abundante colheita que virá.

E então, quando chega, explode por dentro em todo o seu esplendor! E aí se toma consciência de que cada átomo de cada célula foi cuidadosamente burilado, artisticamente trabalhado; e em cada átomo de cada célula ficou gravado, eternizado e cristalinamente compreendido tudo aquilo que a razão, que não chega aos tropeços, aos borbotões, que não fica em pousio, que não se aconchega no frio de um inverno e que não sabe o que é semear, e mesmo que arcaboiço para tal tivesse, levaria toda a eternidade para compreender!

Mas para mim, é mesmo assim, porque eu vivo do que se não vê. Alimento-me daquilo que, escondido, espreita por vezes por entre a loucura aceite do quotidiano. Vivo no que se não vê e para o que se não vê. A cada instante me regenero no que vou descobrindo e cada descoberta é o limiar de outras que infinitamente se estendem no oceano das possibilidades.

Estranho mas real este eterno, contínuo, insistentemente sensato, burilar interno!

domingo, 12 de setembro de 2010

Tranquilidad

Árida como un desierto, estéril como la tierra cansada.
Y al mismo tiempo libre como el agua y leve como el aire.
Placida como las nubes blancas de un día sereno e inquieta como las llamas crepitantes de un fuego bailarín.
Enfadada con el ego pero silenciosamente sondando el alma.
Cansada de lo efímero pero asombrosamente despierta a lo eterno.
Abiertos los ojos hacia lo externo y interiormente consciente de lo que no se ve.

Así estoy mirando la vida en este momento.

Y a pesar del dolor sentido por descubrimientos bruscos e inusitados, hay en mi ser una tranquilidad que adviene de una comprensión que lo transciende...

Palavras

O perigo de escrever é que se não estiver o escritor atento, pode permitir que as palavras grafadas se enraízem no seu pensar, comprometendo inconsciente mas incisivamente a sua liberdade. Escrever sim, mas que as palavras não vinculem, que agitem antes as ideias e o pensamento, que sejam tão, tão leves que não cheguem a ferir ou a estigmatizar ou a elogiar profundamente, irremediavelmente, que sejam sempre o ninho confortável e brando de toda uma prole que está por vir mas cujo destino será sempre crescer em liberdade, cavalgar no dorso do novo e não regressar jamais ao velho poiso.

As palavras para mim são selvagens, não quero domesticá-las, não quero que sirvam para servir um propósito; quero-as rebeldes, inusitadas, meigas, poéticas, incisivas, cruas e nuas, desenfreadas, plenas de revolta e de sede de descobrir; quero-as sempre novas, recém-nascidas, no strings attached, completamente livres para que dêem o seu melhor no momento em que as uso. Sim, porque eu apenas as uso, elas não são minhas; estão meramente aí, à disposição de qualquer um, quietas, expectantes.

E quando não tenho palavras, passeio-me no silêncio, que ele delas não precisa. Ando p’ra lá e p’ra cá e esse silêncio, tão mudo quanto eloquente, fecunda-me e dá-me de novo à luz, a cada instante!

sábado, 11 de setembro de 2010

Tears

Sometimes they are joy
Those tears born spontaneously, so pure,
As if they spring without a reason,
Just because…

Some other times they are sadness,
The mirror of a grieved pain,
And they burst out arid, hard
As if they mutilate the very heart,
Just because…

Sometimes it’s just one single tear, brighter and saltier than ever,
Evanescent, shy,
As a sensed spark
Of a greater world…
And sometimes it’s just a cold tear
Secretly carrying
The whole stigma of an endless sorrow…

Sometimes tears are like rivers
Running into the sea,
Into a perceived freedom they wish to hug…
Other times, they are just still waters
Quietened by silent winds obstinately refusing to blow…

So many and so various are the tears
Abiding in the poet’s soul,
Whether it is arid, desert,
Or full, fertile and awakened,
Wrapped up in an ecstasy,
Hibernating or totally inert…

In each poured tear
Illusion fades, falsehood dies,
And in an always new way, perchance undefined,
Unmistakably
There is Life!

Profecia

Foi quando o céu caiu
E num repente
Destruiu tudo o que havia;
Foi quando o altar
Deixou de ser
O lugar mágico que soía,
E a crença, que se cria inabalável,
Ruiu por terra, esfrangalhada,
E já nenhum dos seus pedaços reluzia
Abrilhantado pela ilusão;
Foi quando o fim e o princípio se encontraram
Num único e mesmo momento;
E o tempo se desvaneceu, inútil, derrotado;
Foi quando o pensamento,
Desestruturado, insustentado,
Sem alicerce nem rumo traçado,
Se extinguiu no seu próprio nada;
E quando todos os elementos se juntaram
Num novo cadinho,
Numa nova alquimia,
E de uma quimera feita de ouro e fantasia
Transformaram o que era velho
Num novo tesouro,
Num novo embrião,
Num novo dia,
Foi aí, nessa precisa ocasião,
Que se concretizou a minha profecia:
O Homem, tendo perecendo, renascia!

Plural

Pareço só, completamente,
Porque, quase sem sentir,
Me afasto do mundo…
E ainda assim, não sinto a solidão…
No existir fecundo
Onde tantas vezes me encontro,
Só nunca estou plenamente…
Sou a própria multidão!
E num tempo ausente
E sem espaço,
Pressinto que somente
Me conheço bem fundo
Quando, aqui, neste lugar
Por onde tantas vezes passo,
Serenamente permaneço e me deleito…
E embora não me assista qualquer definição,
Nele nada há e porém é completo:
É o ser e o estar,
O próprio êxtase, a pedra basilar,
A causa sem qualquer efeito,
A mais pura compreensão.
Pareço só, mas realmente
Sou, de um fogo-fátuo singular,
A sua mais plural expressão!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

An always new dance

Living, pulsing moments
These, where infinity is embraced
With no effort or will…
Indefinable instants
Not touched by craving or desire…
Moments of loneliness that is not such,
Eternities of a new silence beyond silence…
A continuous revival of an ancient, perennial fire…
And in everything I do not say
Abides, immaculate, an undisputed truth…
Looking at myself then
I see a gentle and mild breeze
In a constant and swift renewal,
Finding, at a glance,
What for so long had been lost…
And in an eternal immensity,
Creating itself at each new moment,
I am, unmistakably, part of an endless movement

Dancing forever an always new dance…

Nascer

Já vivi tantos anos e não sei o que é nascer. Ou melhor, saber até sei, não pelo facto de ter nascido uma vez há tantos anos atrás mas porque, sabe-se lá porquê, nasço todos os dias. Alguns chamam a isto esperança mas francamente não reconheço a este pequeno fenómeno tal atributo. É que se fosse esperança isso significava que era a infelicidade, ou o infortúnio, ou o desespero ou até mesmo a estupidez que me faziam nascer de novo. Significava que teimosamente insistia em voltar a nascer até que as condições me fossem mais convenientes. Mas é que não é nada disso; eu nasço porque sim, e nem sequer é porque quero, e não trago comigo razões do dia anterior. Até porque quando acordo de manhã estou mais interessada no que vou descobrir nesse dia do que propriamente no que abandonei quando morri na noite anterior.

Mas há os que não nascem. Nem tão-pouco morrem. Fazem de uma média de sete décadas, que é o tempo que pensam que têm entre nascer e morrer, um contínuo desfiar de mágoas e resignações, de tentativas e frustrações, de penas e pesares. E depois, de dia para dia, como se de troféus se tratasse, fazem questão de nada deixar para trás nem esquecer e enchem a albarda até abarrotar. Como hão-de depois envelhecer graciosa e dignamente se insistem em transportar semelhante carga pela vida fora sem a largar por um segundo? É que não há corpo que aguente tal peso e consiga, ao mesmo tempo, manter a discreta elegância da inteligência.

Confesso que, às vezes, morro albardada. Sinto-lhe o peso nas molas do colchão quando me deito. Mas nascer, aí sim, nasço sempre leve e desnudada. A roupa de ontem ficou pendurada nas costas da cadeira à espera de ser lavada e preparada para um eventual uso futuro. Tal como com a albarda que ficou, cheiinha como estava, no mundo da transição, que é o mundo que faz a ponte entre o nascer e o morrer, entre o pôr-do-sol e a alvorada. É onde se despeja a carga, onde se deixa armazenada e ajeitada, pronta para um dia qualquer, se preciso for, fazer uso dela.

Mexo-me bem melhor, desenvencilho-me bem melhor, penso bem melhor acordando desalbardada: é que começo outra vez do nada. E portanto descubro o novo com olhos novos, com pensamentos por pensar, com uma mente fresquinha e ampla, totalmente pronta para partir à descoberta.

Assim vou, dia após dia, nascendo e morrendo. E uma ocasião qualquer, talvez numa noite de Inverno que me faça aconchegar ainda mais no leito, por certo não vou estranhar, tantas vezes repetido aquele ciclo, quando realmente morrer.

When I'm not

It is only when I’m not
And when everything that I was has ceased to be
That I know what I am:
A living expression that cannot be concealed,
Water flowing from a source

That will never grow dry…
In this immense grandeur
I am, from the whole, a fragment
Feeling everything by being nothing…
And in a single instant
Without word or thought,
Through ecstasy and innocence,
I am the cry in the silence and the silence in the moan
Cause whoever feels what I feel
Will never ever mourn!

Perguntas e respostas sobre liberdade

A palavra liberdade, neste mundo tão incoerente e interesseiro, tem sofrido ao longo dos tempos transformações gigantescas e a verdadeira essência do seu significado jaz algures bem escondida!

Desde que temos memória, em termos históricos, a palavra liberdade sempre significou a ausência de um jugo, de um domínio. Um povo oprimido clamava por liberdade e enquanto não a obtivesse, à custa de sangue se necessário fosse, fazia dela o seu mais elevado ideal. Liberdade a todo o custo sempre foi a ideia que mais se enraizou na mente humana desde os primórdios, e a sua concretização sempre povoou os sonhos do homem. E hoje em dia toda a gente fala de liberdade; liberdade de expressão, liberdade de consciência, liberdade religiosa, liberdade social, liberdade política, liberdade intelectual, liberdade sexual, liberdade racial, liberdade, liberdade, liberdade!

Mas afinal, o que é a liberdade? E porque será que é tão veementemente almejada? Porque será que a liberdade é actualmente um ideal legislado? Porque será que se faz dela um cavalo de batalha sem se conhecer verdadeiramente o seu significado? Porque será que um chamado “atentado” à liberdade pressupõe inimigos, ódios, vinganças, lutas, crueldades, chacinas e até despoleta guerras? Será que o seu significado político, social, intelectual , religioso, mental, consegue fazer jus à sua verdadeira significação, à sua verdadeira essência?

Porque é que achamos que liberdade é ter direitos, é poder fazer isto e aquilo, é poder dizer isto e aquilo, é estar acima daqueles que achamos que a não têm, é exigir mais e melhor, é avançar na direcção que queremos sem nos preocuparmos com os danos que causamos, é cultivarmos um estilo de vida sem sequer sabermos o que isso verdadeiramente significa? Porque é que achamos que liberdade é termos opiniões e manter-nos teimosamente fiéis a elas e enfrentar tudo e todos para as defendermos, é termos o direito de julgar os outros meramente a partir dos nossos próprios pontos de vista? Porque é que achamos que liberdade é podermos criticar, magoar, ferir, caluniar, difamar, condenar, odiar aqueles que não pensam como nós, que não partilham das nossas opiniões, ou podermos amar, venerar, adorar, respeitar, reverenciar aqueles que pensam como nós? Porque é que achamos que liberdade é afirmar eu quero, eu posso, eu exijo, eu tenho, eu mando?

Será liberdade quando expresso as minhas opiniões e fico interiormente melindrado porque não foram aceites pelo meu interlocutor? Será liberdade quando teimosamente insisto num estilo de vida que sei que a maior parte das pessoas no mundo não pode ter? Será liberdade quando cometo extravagâncias em nome de um ego egotista e exuberante que se alimenta de aparências? Será liberdade quando me associo a um grupo e me restrinjo a uma ideologia benéfica para uns e maléfica para outros? Será liberdade quando me entrego a uma religião e segrego todos aqueles que não partilham dela?

E nas coisas comezinhas, naqueles pequenos acontecimentos do quotidiano? É liberdade quando faço parte de um partido político e acho que todos os opositores estão errados? Ou quando sou adepto de um clube de futebol e considero todos os outros idiotas porque não vestem a mesma camisola que eu? É liberdade brincar aos gastrónomos em orgias gourmet enquanto milhões morrem de fome? É liberdade usar roupas de marca enquanto milhões se vestem de andrajos? É liberdade desejar um animal de estimação e logo que este compromete as férias, deixá-lo ao abandono, totalmente indefeso? É liberdade gesticular e proferir impropérios contra o condutor que segue normalmente à nossa frente só porque ele não tem a pressa que nós achamos que temos?

Caro leitor, nada do que foi até agora perguntado é liberdade!

Liberdade não é oposição, resistência, segregação, divisão, elitismo, direito, prevalência, maioria, personalidade, identidade, capricho, desejo, vontade. Não é sonho, ideologia, objectivo, meta, finalidade. Liberdade não é razão, opinião, intelectualidade, abstracção. Liberdade não é ostentação, não é damagogia, não é política nem religião. Liberdade não é conquista, não é vitória, não é símbolo nem doutrina.

Liberdade é discernimento; liberdade é modéstia, é humildade; liberdade é altruismo, é compreender aquilo de que os outros necessitam. Liberdade é abnegação, étudo o que posso dar em troca de nada, é conhecer-me e por isso conhecer os outros e saber exactamente de que precisam. Liberdade é prescindir, é abdicar, é pôr de parte tudo o que cultiva o egoismo, tudo o que alimenta o individualismo, tudo o que fomenta o antagonismo. Liberdade é semear bem e colher melhor, é saber a diferença entre o bem e o mal. Liberdade é conhecer a causa e o efeito, é conhecer a lei universal que rege a vida, é ver as coisas tal qual elas são. Liberdade é abstenção de julgamento, de condenação; é entendimento e compaixão. Liberdade é a palavra que fica por dizer porque nasceu da ira; liberdade é o pensamento que truncamos à nascença porque lhe conhecemos os efeitos; liberdade é o acto que sensatamente decidimos não praticar porque fere outros ou a acção que branda e generosamente praticamos porque sabemos que será beneficiente. Liberdade é saber que o que sou está em harmonia com o que somos. Liberdade é comunicar em silêncio e agir em silêncio.

A liberdade não é uma noção. É uma forma de viver.

A liberdade não é uma abstracção. É uma acção direccionada.

A liberdade não é um conceito. É uma conduta universal.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Anidarme en tí

Pudiera respirar el aire que respiras,
Sentir el sol que te alumbra...
Pudiera ver como me miras
Convertiendo en luz la penumbra...

Ansio ser parte de tí y volar
Para subirme contigo al firmamento
Deseando no más regresar
Del encanto de ese intemporal momento.

Quiero darte mi alma entera
Para que junto a la tuya se anide,
Y mi corazón, de la misma manera,
Para que junto al tuyo, mi amor te brinde...

Hay una imensidad de mi
Que grita por tí en silencio!

Alfabeto

Apareci abrindo alvas asas,
Balbuciei bazófias, barafustei e benzi…
Carpi calúnias conquistando controvérsias…

Degluti drogas e dilemas doutrinais,
Esqueci elites, embriaguei egoísmos,
Fui futilmente feliz, fermentei e floresci…
Gerei grilhões, garanti gozos,
Horas de heróicas e hábeis hipnoses.


Indecisa, instaurei injúrias impiedosas,
Jurei justiça justificando jugos,
Lançando lastros lascivos e lentos…
Mareei-me em melodias, meras memórias…
Novamente nasci na nudez da nostalgia
Observando orgias, olvidando obstáculos,
Princípios primitivos de povos predestinados.


Queixei-me de querelas, querenças e questões,
Racismos recatados, raivas, ruidosas razões,
Saboreei seivas sinuosas, sonhei sonhos sombrios e solitários,
Tacteei tenções, traí tronos torpes, tolerados,
Ufana e usurária,
Violentei a vida,
Xadrez em xeque-mate,
Zero!

Reapareci abrindo alvas asas…

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Cielo azul

Y sintiéndome inmersa en pena, en dolor,
E
nvuelta en aquel vacío
Que llega inconsiderado y sin avisar,
Miré hacia el alto
Y vi el cielo pintado de un azul
Tan bello e indefinido
Que ningún pintor
Podría jamás retratar!
Y ese azul indefinido, impreciso,
Matizado de discreto esplendor,
Siempre recién-nacido,
Virgen y fértil
Como un libro
Con páginas por escribir,
Me ha mostrado que al final,
No existe en la pena ningún sinsabor,
Porque ella está durmiente
Como durmiente está el color
En la mirada que no lo sabe ver!
Basta pues con despertarla,
La pena o la mirada,
Y ese azul impreciso, indefinido,
Se toma de nuevo contorno,
Ahora preciso y definido,
Repleto de un renovado sabor!

Palavras que ninguém quer ler

Caem no chão estilhaçadas
As palavras que ninguém deitou mão p’r’agarrar…
Caem sós, frias, castradas
Porque a mente que guia a mão
Por inacção as deixou cair!

Não eram vãs as palavras, não iam por certo ferir,
Eram calmas, estavam caladas num silêncio por quebrar,
Ansiosas por florir!

E assim ficaram no chão,
Dispersas, abandonadas,
Mil e uma vezes calcadas sem ninguém as ver
Porque não quis a mente que guia a mão
Agarrá-las e ouvir o que tinham para dizer…

Os quietos e os irrequietos

Aos homens divido-os em dois tipos: os quietos e os irrequietos.

Os primeiros, os quietos, que contraditoriamente são os que mais ruído fazem, são também os mais numerosos. São aqueles de quem se fala, aqueles que falam dos outros, aqueles que não falam porque têm que se lhes diga, aqueles que falam sempre e aqueles que por mais que falem ninguém os ouve.

Vivem prisioneiros do tempo e contam-no com a mesma ganância que contam o dinheiro. Que também é seu carcereiro. Perdem-se em emaranhados indestrinçáveis de desejos, caprichos e fantasias. Costumo observá-los de longe sem que me notem, e não consigo ver, nas suas actividades tontas e fúteis, um laivozito que seja de sensatez e seriedade. Prefiro as formigas. Além do senso comum que lhes é característico são mais ordeiras e nada barulhentas nem espalhafatosas.


Os homens quietos, os ruidosos, andam sempre curvados sob o peso do passado. Gastam a maior parte da sua energia a relembrar e a festejar, só que com muito mais frivolidade do que antes, os pretensos actos e feitos dos seus ancestrais. Misturam e valorizam por igual tradições, superstições e imaginações, distorcem factos e acontecimentos, e nem parecem importar-se com isso. Constroem, sem alicerces, belos castelos de areia e passam a vida a inventar meios e maneiras de serem o que não são.


Orgulham-se de tornar complexo aquilo que é simples. Por outro lado queixam-se da vida que, dizem eles, é feita de problemas e de dificuldades. Padronizaram os sentimentos e vendem-nos como se de mercadoria se tratasse. Com os pensamentos fizeram o mesmo. E com a inconsciência do ignorante e a sandice do imbecil, dão-se ares de importância e pretendem ostentar uma inteligência que nunca tiveram. Prefiro os macacos. Se alguma coisa padronizaram foi a cata de piolhos, mas pelo menos não se incomodam em parecer mais inteligentes do que o que são.


Os segundos, os irrequietos, são totalmente diferentes e por estranho que pareça são muito silenciosos. São poucos, muito poucos. Têm espíritos revoltos, naturalmente insatisfeitos, são inquisitivos e estão imbuídos de uma inquietação serena e pacífica que penetra afectuosa mas irremediavelmente o mais espesso dos véus da ignorância.


Interiormente turbulentos, movem-se nas areias movediças do pensamento. Exploram o interior humano com a mesma impassibilidade e domínio de um pescador em alto-mar num qualquer dia de tempestade.


De alma inflamada, em rodopios e turbilhões constantes, percorrendo caminhos desconhecidos que levam às profundezas dos infernos e às celestiais alturas do paraíso, os irrequietos permanecem serenos. Só assim podem prosseguir a busca em sendas pejadas de armadilhas e encruzilhadas.


Inebriados por uma liberdade irrefutavelmente plena que só o homem que duvida pode saborear, transportam-se para além das nuvens que ensombram o quotidiano e de mão dada com o que ninguém quer ver, tecem no silêncio e no infinito as próprias redes que sustentam a vida.


Os irrequietos, ao contrário dos quietos, precisam de muito pouco, não anseiam nada e jamais querem ser aquilo que não são.

Yes, it is me...

Yes, it is me,
T
he one that is falling asleep lulled by a magic reddish sunset,
In a golden autumn preceding unknown winds
And profitable storms…
It is me, yes, the one that secretly hopes,
Once awakened by a new dawn,
To meet everything that was never met…

Yes, it is me, lost between shadows and light,
The one that longs for what eyes cannot see,
Ears cannot ear and skin cannot feel…
It is me, imbued in my single unique plurality,
The one who retires in winter and blossoms in spring
Never knowing when one or the other should be…

It is me alright,
The one that has cried out a thousand words
Finding that, after all,
The so longed new meaning
Abides in the endless silence of the whole…

It is me, yes,
The one that stumbles, falls and crawls
And stands upright again and again…
For the fall and the rise are so new every time
That one becomes the other and,
And at the end,
Ecstasy is where there was supposed to be pain…
'Cause no sorrow, no ache, no joy, nor delight
Is never ever the same…

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Retrato sem imagem

Sou uma maré, ora vaza, ora cheia; sou uma lua, ora plena, ora em fase de quarto minguante; sou, num momento, dia e noite, iluminada pelo sol ou ensombrada pelas trevas…Mas tem que ser assim; como poderia eu entender as alturas se me mantivesse apenas nas profundezas? E como poderia entender as profundezas se não me elevasse, ainda que por momentos, às alturas? Como poderia saber da luz se vivesse infinitamente na obscuridade e como poderia ofuscar-me e renascer na claridade se a escuridão fosse a minha continuidade? Por outro lado, como saberia que as trevas são trevas se a luz, tão subtilmente, me não chamasse?Tem picos o meu sofrer; tem altos e baixos a minha vida; tem auge e êxtase a minha alegria, a minha felicidade; e no meio de tudo isso navego, sem qualquer rumo pretendido, ao sabor das ondas do viver! Nem quero trevas, nem quero luz, pois uma e outra são bem-vindas… Nas trevas revejo-me na dor, e na luz no esplendor… As duas são a vida, e não existem uma sem a outra, mas as duas, compreendidas, são o infinito a que me dirijo quase sem perceber!Nas lágrimas e no sorriso me espelho; no júbilo e na tristeza me refaço, no vazio e na plenitude me construo, e morrendo para cada uma dessas coisas, sou coisa sem nome, sem rumo, sem desejo, sou um nada e um tudo, um começo que não acaba e um fim que principia a cada instante…

Perdida e achada
Ora dentro, ora fora de mim,
Sou por vezes tudo e por vezes nada,
E outras vezes ainda, sou apenas assim-assim…

De quando em quando rodopio,
Perdida, num néscio turbilhão,
Ou então renasço, aturdida, na calma insuspeitada da imensidão…

Ora plena, ora vazia,
Abraço o silêncio calando à força as palavras…
Pensando que não penso,
Sentindo que não sinto…
Mas tal como o cheiro da maresia que de bem longe já se sente,
Assim eu pressinto cada verdade recém-nascida,
Cada onda enérgica e pujante da vida…
Então solto as amarras e sigo a corrente desse mar imenso,
Não pensando no que penso
Mas sentindo o que sinto…

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Pensar

Por vezes é um verdadeiro corrupio
Quando me ponho a pensar;
Não que eu queira, que nem sempre quero,
Mas o pensamento desabrido,
Qual mero vento de Inverno, repentino e arredio,
Leva-me p’ra longe, muito p’r’álem do ser e do estar!

Então penso um pensar viçoso, vivo, colorido,
Com aquela qualidade fresca e renovada
Que tem uma folha nova, na Primavera, logo depois de ter nascido!
Inebriada vou ao sabor do vento
Que de sopro em rajada me leva céu adentro!

Parece então que deixo de respirar
Tal é a pressa que o vento tem de cavalgar, endiabrado,
Nas nuvens e nas ondas de um mar não mapeado;
É como se fosse uma tarde de Verão este pensamento,
Daquelas que, quentes e possantes, nos deixam lassos;
Não há como resistir: fecho os olhos, abro-lhe os braços
E a ele me entrego de coração!

Mas a páginas tantas enruga-se-me o pensamento:
Parece que fica sem vida, descolorido, inútil, amarelento,
Tão sem sentido como uma folha no Outono
Depois de ter caído.
Por terra, ali fico numa inércia sem fim…

Mas eis que então, como se fosse um alerta,
Sopra ligeiro um vento que me desperta e me faz voar…
E quando dou por mim, queira ou não queira,
Lá estou eu de novo a pensar!

Não ser nada

Ser poeta ou escritor é oferecer,
Assim de mão beijada,
As palavras que esculpiu,
Não querendo em troca nada;
É desejar que fiquem a bailar,
Doces, insistentes, acutilantes,
Na mente de quem as viu.
É querer que façam ninho na mente do leitor
E que, de uma simples palavra, fecunda, inusitada,
Nasça toda uma prole de palavras e actos e gestos deslumbrantes,
Não para que alimentem gente vã e inglória,
Mas para que talhem caminhos diferentes, pujantes,
Para que construam uma nova história.

Ser escritor ou ser poeta é ser tudo o que não é dever,
É ter a alma desperta,
Um coração a ferver que vai moldando o destino;
É viver uma vida incerta,
Escrevendo para ocultar o desejo único, prístino,
De morrer para o mundo e voltar a nascer.

Ser poeta ou escritor é deixar uma porta aberta
Que todos podem franquear;
É soltar a torrente interior e fluir com ela,
E aprender a criar;
É pois ser-se criador,
Não de mundos mas de amor,
Não de seres mas de unidade;
É estar só e albergar no próprio coração,
Inteira, a humanidade.

Ser poeta ou escritor é não o ser,
É não agarrar as palavras em acto de posse
Mas docemente ajeitá-las no peito
E lançá-las ao vento
Sem que com isso se sinta nem despojado
Nem vazio nem sedento.

Ser escritor ou ser poeta é não encerrar lá dentro,
Como se numa gaveta raramente aberta,
O momento em que as palavras nascem;
É deixá-las livres, soltas no tempo,
Ou quietas e bem aninhadas
Na berma duma qualquer estrada
Esperando os que por lá passem!
É não deixar que delas se apodere
O cheiro a bafio de algo velho, ressequido,
É fazê-las correr leves, livres, frescas e límpidas
Como as águas de um rio tranquilo, vivo e célere.

Ser poeta ou escritor não é arte, é expressão;
E da mesma forma que pode ser tomada como estandarte,
Assim mesmo pode ficar silenciada em qualquer rincão.
Não é arte, não, é coração:
E cada palavra uma batida, um ritmo, uma carícia, uma pulsação.

Ser escritor, ser poeta, é para tal não estar talhado,
É não caber nas definições:
É escrever sem regras, sem restrições,
Sentir as palavras apenas porque que se é livre,
Porque o sentir está intacto,
Porque se não foi silenciado à força de nenhum pacto.
É esquecer métricas e lembrar liberdades,
Olvidar tónicas e relembrar imensidões,
É não querer saber de versos ou d’estrofes ou d’estruturas:
É tão só deixar solta a alma e encontrar,
Porque não se procuraram, novas dimensões;
É amar o que as palavras alcançam,
Por entre risos e dores, agruras e aspirações.

Ser poeta, ser escritor, é usar a palavra como ponte,
Ousar levá-la longe, bem longe,
Lá onde dizem habitar o perigo.
É enfrentar quimeras, confrontar ilusões,
Enfrentar monstros, confrontar convicções;
É, dos próprios sonhos, degrau a degrau, subir a escada.
E depois da escalada, tendo encontrado porto de abrigo,
Ser poeta, ser escritor, afinal, vendo bem, é não ser nada!
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