quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Quando

Quando já nada apetece
É porque a vida parece uma paisagem desolada,
A própria alma esmorece e o horizonte,
Cheio desse nada, nega a esperança de uma outra vida
Nova, mudada.

Quando já nada apetece
É porque a própria alma enfraquece o brilho
Das estrelas e, negando-se a ler nelas,
Fenece numa luz ténue desconsoladamente
Inerte, apagada.

Quando já nada apetece
É porque a vida não esquece a alma perdida
Que estremece perante o abismo da verdade e da mentira,
Alma essa que secretamente deseja ser uma nova
Fénix renascida.

Não há como fugir...

Não há como fugir! Uma vez se tome consciência de como o ser humano funciona em essência, não há como negar todas as suas potencialidades e o seu poder de percepção e discernimento. Depois de compreender o que realmente se passa na sua consciência, no seu pensamento, na sua conduta, não há volta atrás. Nunca mais a vida é como no-la fazem crer, nunca mais os aspectos e as expressões do ser humano são um estereotipo padronizado, condicionado e limitado por uma civilização cujo interesse parece tudo abranger menos a realização do ser humano como ser humano universalmente inserido!
A partir do momento em que nos apercebemos que a nossa realidade não é o papel que fomos cuidadosamente ensinados a representar, já nada pode ser como antes! A partir desse momento de tomada de consciência profunda todos os pensamentos que nos afloram, ainda que a princípio venham maculados com o estigma da tradição, do socialmente correcto, da moralidade inventada para servir interesses próprios, são já despojados de particularidades e de estruturas individuais, sociais, económicas e religiosas, e tocam por isso a própria raiz da realidade autêntica!
Tudo o que pensamos, tudo o que sentimos, tem na realidade um sentido que não se insere no hábito, nos costumes, na chamada vida social e civilizada do indivíduo! É como se a percepção, o verdadeiro discernimento, ficasse tão extremamente agudizado que qualquer imprecisão é imediatamente notada e compreendida. Então, tudo o que vemos, sentimos, pensamos, é de tal modo claro, de tal modo límpido que passamos para além do significado comezinho das coisas e vemos distintamente o seu verdadeiro valor! E o que é mais surpreendente é que todos os valores, todos os significados que até então atribuíamos à realidade, a essa pseudo-realidade, são mostrados tal qual são, na sua verdadeira natureza ilusória, transitória e fútil, ficando assim reduzidos ao seu único e verdadeiro valor intrínseco. Tal visão, tal percepção, abre horizontes a uma nova forma de pensar, de sentir, de ver! E é nessa altura que o absurdo se desmorona e permanece apenas a essência daquilo que de facto é!
Tudo isto é doloroso porque uma vez tenhamos visto as coisas como elas realmente são, o nosso anseio de aprofundar é tremendamente enorme. É que a realidade afigura-se-nos então revestida de semelhante riqueza e beleza que o retrocesso à escuridão e à ilusão conceptual em que sempre vivemos é uma perversão tal que nos magoa profundamente o simples facto de, por qualquer motivo, sermos obrigados a retornar-lhe.
Não há como fugir, partindo do princípio que eventualmente poderíamos desejá-lo, desta estonteante forma de ser. Uma vez sentida, profundamente consciencializada, não há como fugir-lhe. Ela é plena, completa. Não se deseja nada, não se precisa de nada, porque tudo o que há para desejar, para querer, para ansiar, está nela contido e de uma maneira tão profunda e intensa que tudo o que resta é, serena e tranquilamente, permanecer nela, nessa aparentemente estranha realidade que, na verdade, é a verdadeira existência.
Mas atenção, isto não é tão fácil assim! A mente, tão habituada que está ao condicionamento de séculos, tem vindo a criar muito criteriosamente, ao longo dos tempos, escudos de protecção que a mantenham a salvo da verdadeira realidade e lhe permitem continuar no culto do ego. Estes escudos, estes bloqueios, estas protecções são como rasteiras astuciosas, como armadilhas camufladas, como canto de sereias que subtilmente ludibriam o incauto e o arremessam nas teias tão bem urdidas da falsa felicidade, na satisfação ilusória da posse, nas garras do poder tão sedutor, nas malhas de uma segurança inexistente e efémera, mas cuja estrutura tem vindo a ser sido tão perfidamente edificada!
Por inconsciência e por ignorância, procuramos essa falsa realidade, procuramos imitar quem mais se assemelha ao ideal que secretamente veneramos, procuramos um líder carismático que nos ensine a ser pessoas de sucesso, procuramos o poder aquisitivo que nos permita obter o respeito dos outros, procuramos honras e notoriedades, protagonismos e glórias que permaneçam depois de nós e nos garantam, desde já, um lugar de destaque no céu, no paraíso, no além, enfim, naquilo que achamos seja a glória espiritual depois da glória terrena!
E naqueles parcos momentos em que, por alguma razão que desconhecemos ou que pretendemos desconhecer, se abate sobre nós um vazio imenso, intolerável, doloroso e lancinante, em vez de tentarmos escutar o que ele tem para nos dizer,  em vez de irmos até à suas profundezas e questionarmos o porquê da sua existência, corremos a afundar-nos em trivialidades, em superficialidades que proporcionam satisfação transitória. Esse vazio indica a frustração do ser que se conduz na vida em perfeita desarmonia com a sua própria natureza mas indica também um caminho: o caminho do autoconhecimento, o caminho que faz esquecer o parcial e insere inequivocamente o ser humano na única via possível: o caminho do ser total!

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Vivo-a

Sou não sendo nada.
Mas sou.
E vivo a vida não sabendo sequer porque se outorgou.
Vivo-a porque também é para mim.
O que quer que seja,
Mesmo não sendo só minha,
Ela sou eu,
E vivo-a porque me aconteceu.
Dela não sei nada mas ainda assim
Vivo-a.
Se me ponho a pensar não sei o que é
Tal como não sei o que sou.
Mas se me ponho a sentir
Ela é força, criação,
Vertigem, turbilhão,
Maravilha, interrogação,
É tudo e não apenas eu.
Vasta, misteriosa, desconhecida,
Vivo-a.
Mesmo não sendo minha,
Mesmo que haja alternativa,
Vivo-a.
Afinal, foi em mim que ela nasceu...

Se

Sou esquisita. Completamente esquisita e desprovida de interesses em comum com eles, os seres que me rodeiam. À excepção, claro, dos aspectos biológicos e fisiológicos, tudo em mim é diferente, ou melhor, é estranho, é esquisito. Para eles, claro, porque para mim é absolutamente natural.
Mas não sou um monstro, nem uma aberração, nem uma deformação. Se assim fosse, a própria natureza já se teria encarregue de me aniquilar. A selecção natural teria funcionado também comigo. Mas não. Sou esquisita por comparação mas não sou esquisita na minha individualidade. E por isso a natureza não vê em mim nenhuma desarmonia que atente ao seu equilíbrio perfeito.
Eles interessam-se por isto ou por aquilo. Eu, por mais que tente, não vejo interesse algum nem nisto nem naquilo. Não sequer é por teimosia, por espírito de contradição. É que não vejo mesmo. O isto ou o aquilo que eles valorizam não tem qualquer valor para mim. Melhor dizendo, tem valor sim, mas única e exclusivamente o valor que lhe é inerente. Nem mais, nem menos. Um copo serve para beber, ponto. E se quisermos exagerar e ir ao âmago da questão, para beber nem sequer é preciso um copo. Mas enfim, libertando-nos de extremos, é para isso que ele serve.
Mas eles, por qualquer patologia incompreensível para mim, ou até devido a um qualquer aspecto da natureza do ser que até agora me tenha escapado, acham que o copo só serve para beber se! Se for de cristal, se for de pé alto, se for finamente trabalhado, se tiver design, se tiver griffe, se for admirado por terceiros, se for cobiçado e desejado, se, se, se!
Ora bolas, até parece que não se trata de um simples objecto mas sim de um complexo tratado de moral e bons costumes. Como se não se pudesse matar a sede recolhendo água nas mãos enconchadas!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Que sou eu afinal?

Continuo sem saber o que sou, mas sei que sou tudo o que aparentemente não sou. Definitivamente não sou esta tristeza que me percorre, este vazio que me afoga, esta inutilidade e esta inércia que insistentes me acompanham. Sem dúvida que não sou esta dor que sinto, este sofrimento dilacerante, e muito menos sou esta ânsia sem objectivo que me consome. Não sou esta vontade de chorar sem motivo nem este aperto no coração sem razão aparente. Não sou este silêncio estéril e acutilante que me encarcera e que nenhuma palavra parece conseguir quebrar. Não sou esta incompreensão e esta ignorância que tantas vezes se assoma. Não sou esta angústia nem esta vontade indefinida e improfícua. E muito menos sou esta indolência nutrida pelo medo que limita o pensamento e a acção. Nem sou sequer esta estúpida impossibilidade que a vezes se apodera de mim nem o absurdo da conformação. Decididamente não sou solidão, não sou a aridez do deserto que me cerca.
Também não sou a imagem que se reflecte no espelho a cada manhã, nem a roupa que visto nem a comida que como. Não sou um rosto, um nome, uma profissão, uma maneira de ser. Certamente que não sou a conduta condicionada com que inconscientemente brindo os meus semelhantes nem o discurso e a acção repetitivos e irreflectidos do dia-a-dia sem sentido. Não sou o que sei, nem sou o que possuo, nem mesmo sou o fruto de um passado incutido. Não sou uma filha, uma mãe, uma irmã. Não sou uma amiga, uma vizinha, uma conhecida e nem sequer sou a imagem que têm de mim. Não sou por certo um ponto na multidão, um número na estatística e uma peça na máquina social, assim como não sou uma mera reacção automatizada na ordem estabelecida. Não sou cidadã desta cidade, não sou patriota deste país. Se calhar nem sequer sou do mundo.
E todavia sem saber o que sou, serei talvez a alegria que não deixo nascer, o vazio que não deixo preencher. Terei talvez a serventia que não ouso aceitar e serei o movimento que, inconscientemente ou por medo, me recuso a acompanhar. Pode ser que a dor e o sofrimento sejam ilusão e que aquilo que realmente sou os transcenda. E pode ser que as lágrimas que se soltam sejam o prelúdio de algo bem mais poderoso que a felicidade e que o coração se aperte por razão do êxtase e não pela mágoa. Até o silêncio que parece magoar poderá ser, talvez, a porta de um outro limiar em que a palavra carece de existência. A incompreensão e a ignorância serão quiçá o obstáculo criado por uma necessidade de protecção e sem qualquer razão de existir, e a angústia poderá ser o resultado de uma vontade mal interpretada e mal dirigida. A indolência será sem dúvida o peso esmagador da herança, da tradição, da convenção e a impossibilidade e a conformação serão o reflexo de um medo enganoso e infundado. Serei talvez imensidão e não exclusão, serei porventura oásis e não deserto.
Que sou eu afinal?

Aquilo

O frio começa a chegar. Devagar, disfarçado pelo sol que ainda aquece, vai entrando sorrateiro e ocupando o seu lugar devido. Sente-se já uma certa nostalgia, uma certa saudade dos dias quentes de Verão que sempre parecem plenos, infindáveis, brilhantes, cheios de vida.
Lembrei-me de um Verão. Não sei qual porque o tempo não importa. Olhava, distraída, para um campo de milho. O milho verde, pujante, de um verde-escuro potente e vigoroso, ondulava de quando em quando ao sabor de uma brisa suave e quente. O céu, algo enevoado e tingido de uma cor indefinida, com matizes de um laranja-pálido que o sol semi-escondido lhe emprestava, parecia delinear o contraste perfeito entre a terra e o inefável…
Foi nesse preciso momento, em que desnudada de qualquer desejo e em que nenhum pensamento volitivo me assaltava, que toda esta paisagem se me apresentou ao olhar de uma forma diferente, nova, desconhecida: havia naquele campo de visão uma vida pulsante, uma dimensão diferente, palpitante, de uma realidade inequívoca, estrondosamente arrebatadora! O silêncio era de tal modo inebriante que qualquer palavra proferida naquele momento não teria tido sentido algum! E nas cores que eu via, no ar que respirava, aquilo estava ali, esplendorosamente pleno, fundamentalmente vivo e possante, absolutamente indefinível! Enchi o meu ser com aquilo e transbordei de algo colossalmente superior à felicidade, infinitas vezes maior que a alegria; nesse instante redefini-me e então já não era eu porque eu era aquilo!

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Ainda bem!

Ainda bem que no meio da luta e do caos são espectadores os meus olhos, ouvintes os meus ouvidos, passivo e compassivo o meu coração. Ainda bem que outros olhos me vêem e outros ouvidos me escutam e outros corações latem a compasso com o meu. Poucos sim, mas os suficientes para alimentar a minha coragem, a minha cruzada silenciosa e solitária.
Ainda bem que os meus olhos vêem e os meus ouvidos ouvem e o meu coração bate compassado ao ritmo do natural. Ainda bem que os meus pensamentos mudos murmuram às criaturas o silêncio que elas não ouvem. Ainda bem que traçam no espaço com tinta invisível e indelével um caminho quase esquecido, um caminho calado e discreto que poucos ousam trilhar. Ainda bem que gravam no tempo, na própria eternidade, um sentir que dificilmente pode ser expressado.
Os muitos outros olhos que não me vêem, os muitos outros ouvidos que não me ouvem, os muitos outros corações que não palpitam como o meu, são esses que me fazem mergulhar em mim,  e ver-me e vê-los. E assim compreendendo-me, compreendo-os. Através de mim, porque eu sou eles, os olhos começam a ver, os ouvidos começam a ouvir e os corações palpitam com outro som.
Como me aprofundo então! E como se esboroam os actos da superfície, os gritos vociferados no calor da ignorância e da escuridão!  E a vida toma-se da qualidade de um arco-íris que se desenha no céu, precisamente naquele espaço indefinido, único e misterioso, que junta a sombra e a luz, o seco e o molhado, o húmido e o ressequido, o velho e o novo, o falso e a verdade!

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Reflexão VI

A vida é algo fantástico. E refiro-me a ela como “algo” porque, na realidade, eu não sei o que ela é. E também não importa. Não importa nada mesmo. Defini-la é uma impossibilidade. Ela é diferente a cada momento, tem atributos distintos a cada instante, mostra aspectos tão diversos a cada segundo que passa. E essa diversidade, essa multipluralidade, essa constante mutação das suas manifestações é precisamente o que lhe outorga aquela essência mágica e única que me fascina!
É apaixonante ver, sentir, experimentar as suas transformações constantes. Umas vezes é perturbadora, outras inquietante e surpreendente, outras deixa-nos totalmente embasbacados, e outras ainda é uma porta franqueada para o desconhecido ilimitado. Mostra-nos com uma subtileza impossível de descrever que é infinita e rica e mutável e sempre nova, sim, mas também que anda de mãos dadas com a simplicidade, com a inocência, com a verdade!
Mas nós não a deixamos acontecer! Em vez de seguir o seu ritmo, criamos o nosso. Em vez de caminhar na sua direcção, insistimos no sentido oposto, criando-lhe resistência, tentando moldar o imoldável.
Não usa o barco as correntes para chegar a bom porto? Não usa a semente o vento para se espraiar e reproduzir? Não sacia a terra a sua secura com a chuva e não aproveitam o sol as plantas para crescer?
Mas nós queremos o que ela não é! Queremos o que achamos que precisamos, queremos mil e uma coisas que são as causas da contradição, do conflito, do antagonismo, do caos.
Há que seguir-lhe a corrente, não tentar desviá-la. Há que viver ao seu sabor, não contrariá-la. Há que sorver em plena tranquilidade aquilo que ela nos oferece e fazer disso mesmo uma riqueza, a única riqueza.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Reflexão V

Passaram-se milhares de anos e continuamos sem ter aprendido nada! Década após década, era após era, cometemos os mesmos erros, praticamos as mesmas chacinas, pensamos da mesma maneira e enfrentamos a vida com a mesma ignorância e com a mesma estupidez!
Mudaram apenas os meios, agora bem mais sofisticados do quando partíamos a cabeça uns aos outros com uma tíbia de mamute ou quando nos trespassávamos uns aos outros com a lâmina das espadas que nos orgulhávamos de saber esgrimir… somos bem mais sofisticados hoje em dia por exemplo nos genocídios, porque antes, matávamos de um golpe só e agora matámos lenta e requintadamente cada vez que, pelo nosso desmesurado egoísmo, negamos aos nossos semelhantes as condições básicas e essenciais para uma vida digna… Nada aprendemos… como gado conduzido e apascentado, sem qualquer dúvida ou interrogação, aceitamos, seguimos, imitamos… e nascemos e morremos na mais perfeita ignorância, tendo apenas cumprido mais um ciclo estúpido e estéril, nada tendo compreendido, nada tendo criado…
Todos os dias somos iguais ao que sempre fomos no passado, e quando falamos de construir um futuro, são os mesmos padrões, os mesmos erros e a mesma ignorância que nele projectamos.
Porque é que ignoramos o que o nosso interior em silêncio nos grita? Não vemos porque não queremos ver, porque nos é mais confortável a conformação, a padronização. Contudo, temos em nós, inata, a semente da indagação, do questionamento, temos em nós o impulso e a energia que nos podem lançar na descoberta da verdadeira vida quando muito bem quisermos! Mas não queremos, obstinadamente menosprezamos e deliberadamente ignoramos aqueles pequenos e subtis sinais, quais vislumbres fugidios, que parecendo vir do nada, tentam despertar a alma com o aguilhão da dúvida! Temos em nós próprios, inequivocamente, a infinita imensidão de possibilidades que pululam na Vida em todas as suas vertentes!
Quando é que vamos querer aprender?

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Reflexão IV

Quando olhamos à nossa volta, tudo o que vemos passa pelo crivo do nosso condicionamento! E mesmo que tenhamos um vislumbre, uma fugidia percepção do que está para além dessa visão condicionada, há uma força que nos impele a não querer ver mais do que aquilo a que estamos habituados. É a força do conformismo, aquele estado preguiçoso de deixar estar o que está, aquela indolência de pensamento que nos impede de perscrutar a realidade que se nos apresenta, aquela letargia que envolve a nossa vida num mundo egoistamente cruel e em franca decadência.
Demasiado condicionados para poder ver sem esforço, demasiado preguiçosos para empreender esse esforço, demasiado egoístas e comodistas para fazermos algo, para ir mais fundo do que as meras aparências, do que as simples percepções superficiais, optamos pela via mais fácil: a de nos mantermos exactamente como estamos, de olhos fechados, recusando-nos a ver!
Se é mais fácil continuar a viver dentro da ordem estabelecida, porque carga de água haveríamos de querer mudá-la? Se é mais cómodo aceitar sem reservas e sem questões o que outros tomaram como certo, porque haveríamos nós de os contrariar? Se é mais prático que nos digam o que fazer, o que sentir, o que pensar, porque haveríamos de ter trabalho a fazê-lo de moto próprio?
E é precisamente esta atitude de uma ignorante e estonteante inacção que vai agravando os males do mundo, que são, afinal, os nossos próprios males! Porque não mexemos uma palha para nos tornarmos seres humanos conscientes, sensatos e maduros, estamos a contribuir, com o nosso decidido, inequívoco e estúpido dolce far niente, para o gigantesco agravamento das condições desfavoráveis ao florescimento de uma humanidade responsável e inteligente.
Somos lestos em criticar, rápidos em condenar, ligeiros em ajuizar, ágeis em denegrir mas extremamente lentos em construir, vagarosos em discernir, pachorrentos e frouxos na única acção que poderia mudar o mundo: o intento profundamente sério de nos vermos a nós próprios tal como somos e de olhar para a realidade com os olhos do verdadeiro discernimento!

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Reflexão III

Vejo toda a gente preocupada! Preocupada com dinheiro! Vejo muita gente preocupada porque não vai poder manter o nível de vida! Mas, que raio é isso do nível de vida?
As necessidades básicas do ser humano são bem poucas. Tão poucas que se tivéssemos verdadeira consciência delas, só esse facto seria o suficiente para mudar o mundo! Mas não, não é isso que acontece. O que realmente nos preocupa são as férias que não vamos poder fazer, as viagens que não vão passar de sonhos, os modelitos que não vamos poder comprar, o carro que não vamos poder trocar, o ginásio que não vamos poder frequentar ... Quanta tolice! Quanta imaturidade!
Onde quer que vamos, para onde quer que olhemos, o mundo é um imenso poço de egoísmo, de irracionalidade, de violência, de violação e perversão do viver natural e criativo.
Basta ver as notícias na TV ou ler um jornal ou uma revista e tudo o que se destaca é anti-natural, é uma agressão constante à vida no seu mais amplo e lato sentido! As armas materializam a violência e os instintos mais primitivos do homem; o ludíbrio, a mentira e a corrupção são cada vez mais considerados como necessários e até como legítimos para a sobrevivência nesta Terra caótica! Enquanto milhares morrem de fome a cada segundo que passa, a grande maioria das pessoas dedica-se ao consumismo exacerbado e ao culto de uma vida fútil recheada de coisas e atitudes que são um verdadeiro atentado à condição humana! Até as crianças são educadas para acreditar que a competição, a luta, a conquista, são nobres virtudes a cultivar cegamente!
E esta imensa desordem, este caos crescente, chega por vezes a atingir o apogeu do ridículo com requintes de crueldade e de indiferença: enquanto uns morrem de fome, outros participam em concursos para ver quem come mais empadas ou mais hambúrgueres e consegue entrar para o Guiness. Ou então deliciam-se em requintadas orgias gourmet. Enquanto uns dormem na rua, num qualquer miserável e sujo rincão, com cama de papelão e mantas de jornais, outros, de nariz empinado e atitudes cabotinas, fazem questão de alardear a sua superioridade só porque vivem em luxuosos condomínios fechados!
Socialmente, as convulsões fazem-se sentir cada vez mais e é cada vez maior o fosso entre aqueles que tudo têm e aqueles que mal conseguem sobreviver; economicamente, os ricos são cada vez mais ricos e os pobres aumentam de número em todos os cantos do mundo; politicamente, os lobbies, a corrupção e os interesses de uma pequena minoria avançam, implacáveis e imparáveis, sobre um mundo cego, sobre um mundo amedrontado, ignorante e todavia crédulo na poderosa e destrutiva máquina política!
E no dia-a-dia, sujeito a toda esta pressão, vergado sob o peso esmagador de uma estrutura social, política e económica perigosamente doentia e degradante, o homem vai ficando reduzido a um ser amorfo de actividade programada e controlada.
Queremos viver num mundo assim? Queremos ser autómatos, marionetes cujos fios são inexoravelmente controlados por mãos alheias? Ou queremos olhar à nossa volta, olhar para dentro de nós e tomar verdadeira consciência da vida no seu todo?

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Reflexão II

Cada vez mais a conduta individual correcta é necessária. A ordem instituída, a directriz seguida pelo ser humano ao longo dos séculos, tem incitado o ser humano a comportamentos colectivos, a acções em massa. A imponderação, o culto da imitação, que se reflecte em todas as áreas da vida, impede o pensamento individual, a análise individual, o autoconhecimento. A tendência é a cópia. A padronização, a metodologia,  a sistematização ditam os comportamentos. Toda a educação, aliás, é dirigida para uma automatização insensível da vida.
As regras estabelecidas, as próprias leis, conduzem o ser humano por uma via inflexível, inerte, cristalizada que é em tudo diferente da própria vida. A vida é mudança, nasce nova e fresca a cada instante, e não é passível de classificação e regulamentação. Cada aspecto da vida, cada manifestação, cada mutação é única. Como se pode, pois, sujeitá-la a regulamentos? Como é possível ordená-la,  qualificá-la e dividi-la em grupos, em classes, em ordens? Nega-se-lhe a sua qualidade criativa quando assim se procede. E vida é criação.
Se analisarmos a história do homem, recuando tanto quanto é possível aos olhos da ciência, a única constatação possível é que o ser humano não aprende com as provações, com as experiências. Insiste imbecilmente nos mesmos erros cometidos há milhares de anos, e não fora pelo avanço tecnológico, que é apreciável, continuar-se-ia na barbárie de há milénios atrás. Não é pois o avanço tecnológico o factor primordial para retirar o homem do seu estado básico, primitivo e bárbaro. Só a tomada de consciência individual o poderá fazer.
Se antes se matava com pedras, com espadas e com canhões, hoje mata-se com armas sofisticadas, com bombas e mísseis cirurgicamente direccionados, com estratégias infalíveis e mortíferas mal-usando a tecnologia. Se antes se conquistava e se oprimia com a força bruta, hoje conquistam-se mercados, oprimem-se povos em nome da economia  e da tecnologia. Se antes a sede de poder se expressava na voz terrível da violência, hoje esquece-se a violência da competitividade e até se incute desde tenras idades.
Quando se aprenderá? Quando cessará o culto do egoísmo colectivo? Quando se tomará consciência, consciência individual, da cruel e malévola infância que o homem vive? Quando se compreenderá que a mudança individual é a única via? Existirá alguma vez a coragem, em cada indivíduo, de por si mesmo e sozinho,  pôr cobro ao comportamento irreflectido e robotizado que o tem conduzido? Alguma vez o ser humano almejará a maturidade? Alguma vez verá que a única evolução viável consiste na transformação qualitativa individual?

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Rotina

Ao domingo são os passeios, as caminhadas e as corridinhas. Ou os centros comerciais ou as grandes superfícies. Ao jantar são as notícias. As notícias diárias que estimulam sentimentos e emoções e que as estagnadas massas cinzentas das massas absorvem intensamente. Há que alimentar com sandices e absurdos os cérebros ressequidos. Muito mais do que a comida esquecida e arrefecida no prato, há que tomar o alimento mental, a injecção diária de comportamento e conduta estereotipados, o comprimido da imitação. Depois do jantar o café, a troca habitual de larachas, a disputa rotineira e oca sobre futebol. E amanhã será igual, e depois de amanhã, e depois de depois de depois de amanhã. Não importa o hábito que se tenha, o costume que se siga, a rotina que se leve, a tradição que se cumpra, o país em que se viva.

Ah, como se compartimenta e se mata a vida. Como se vai tentando, dia após dia, fazer dela um ritual. Disto ou daquilo, não importa. Como se vai reduzindo o seu sempre novo conteúdo a uma classificação inerte, restringida, limitada, inútil. Pouco a pouco, pedaço a pedaço, vai-se assassinando a vida. Vai-se assassinando o tempo. E quando o tempo é já escasso e da vida viva já nada sobra, encontra-se o próprio nada. Vai então desejar-se preenchê-lo. De coisas vivas desta vez, de coisas desiguais, inclassificadas, não catalogadas, únicas no tempo e no espaço. Mas porque se desperdiçou o tempo, porque se matou a vida, sobrará, perene e insatisfeito, apenas esse desejo.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Reflexão I

A memória e a compreensão instantânea
Note-se que esta reflexão não é de todo um processo intelectual. O processo intelectual é um processo morto. Trata-se de uma reflexão viva que não usa os dados adquiridos, inertes e cristalizados que caracterizam o intelecto.
A memória é totalmente obsoleta no processo de compreensão instantânea.
Enquanto que todas as acções físicas, emocionais, sentimentais e mentais ficam impressas na memória e o seu registo pode ser consultado pelo exercício do esforço ou simplesmente porque uma circunstância interior ou exterior o despoletou, na compreensão instantânea o processo ocorre de uma forma muito diferente.
Imediatamente após a compreensão instantânea, que é um momento no presente, infinitamente curto mas imensamente poderoso, a sensação que se tem é que “algo aumentou e algo diminuiu”! A contradição é apenas aparente! “Algo aumentou” porque há a nítida sensação de uma consciência ampliada, há uma percepção de que o “espaço” da consciência ganhou amplitude, e “algo diminuiu” porque há, no mesmo instante, uma sensação de derrube de fronteiras, de bloqueios, há a percepção de um fluir mais livre da consciência e até do próprio pensamento, libertando-os do peso de obstáculos e outorgando-lhes maior liberdade.
Porém, o facto surpreendente é que, imediatamente após o processo acima descrito, e ao ser feito um esforço mental para recuperar os conteúdos daquela compreensão através da memória, descobrimos que eles não estão lá! Quaisquer que sejam os esforços empregues para reactivar e até dar continuidade àquela compreensão tão libertadora, o resultado é infrutífero: a memória não é definitivamente o fiel depositário da compreensão adquirida, do conhecimento adquirido! Esta é para mim a prova definitiva e irrefutável de que o verdadeiro conhecimento, a verdadeira compreensão, nunca foi e jamais será um processo intelectual!
Mas, então o que acontece àquilo que se compreendeu, àquilo que se conheceu, com tanta intensidade numa fracção tão ínfima de tempo? Porque não ficou registado na memória, perdeu-se? Não, de modo nenhum. O simples facto de se sentir nitidamente que a consciência foi ampliada constitui prova de que nada se perdeu! Esse conhecimento, essa compreensão, ficou registada, eternamente registada, a um nível cuja natureza (que não é física, não é material, não é mental) não é de todo semelhante à do processo intelectual e da memória; esse nível, chamemos-lhe assim à falta de uma palavra por enquanto melhor, não possui a característica individual que a memória possui, ou seja, eu sou capaz de recordar as minhas memórias mas não as dos meus semelhantes, o que significa que a memória é um reservatório separativo, individual, serve apenas os meus interesses. Ora, o nível da compreensão, do conhecimento, é completamente diferente: apesar de, tal como na memória, ficar registado, não é separativo mas intrinsecamente unificador! Os registos do conhecimento instantâneo podem ser acedidos e consultados, ao mesmo tempo, por todos os seres, em todos os lugares!
Concluindo, o processo de compreensão instantânea não é mais que, reunidas consciente ou inconscientemente as condições necessárias (e isto aqui é um processo demasiado exaustivo para o descrever agora!), um acesso ao depósito universal do conhecimento! Este acesso, ainda que parecendo individual, não o é! Na compreensão instantânea, não passa despercebida àquele que a tem, aquela qualidade de completude e totalidade, de abrangência e globalidade, em que o ego, a personalidade, a individualidade, não tem qualquer existência!
A memória é portanto o depósito individual, perecível dos conteúdos intelectuais e mentais e a compreensão instantânea é o acesso ao reservatório eterno, infinito e universal do conhecimento!

domingo, 3 de outubro de 2010

Outono

Entrou-me o Outono pela casa dentro. Insistentemente choveu nas janelas e ventou nos telhados. “Não te esqueças que eu também existo!” berrava ele nas rajadas de vento e nas bateladas de chuva.  “Previne-te, não queiras ser uma folha ainda verde arrancada prematuramente sem ter sequer chegado a amarelecer!” parecia dizer por entre as pausas da chuva e o breve serenar dos ventos.
E o meu coração ouviu-o. Ouviu-o e sentiu-o. Recordou os Outonos anteriores, preparações imprescindíveis para Invernos frios e letárgicos. Adormece a alma no Inverno. Prepara-se para isso no Outono. É preciso ficar em pousio. É preciso descansar da prodigalidade de Primavera e do tropel do Verão. É preciso morrer para voltar a nascer.
Segreda-me o Outono que devo deixar quieto o pensamento. Diz-me que devo esquecer  e deixar que o passado seja passado. Diz-me baixinho que me prepare, que cuide com carinho da chuva e do vento e do desconforto. Pede-me quase em sussurro que não me entristeça com o sol fraquinho do Inverno e com o quadro pardacento que ele pinta no mundo.
E eu obedeço-lhe. Todos os anos lhe obedeço. O seu ritmo é o meu ritmo, pois não sou eu filha da natureza? Então, aqueço a alma no alaranjado fim de tarde outonal, na luz rosada dos amanheceres já frios. E no Inverno remeto-me ao silêncio no sereno cinza plúmbeo que anuncia a tempestade antes da bonança.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Eles

Sinto-os dolorosamente no coração:
Minha mãe, meu filho, meu irmão.
Mas logo de rompante, de supetão,
Espelho-me neles
E eles são o que sou e todos são...

E a dor que antes sentia
Só por eles, eles que me são,
Súbita na sua mutação,
É a dor de todos os seres,
Conheça-os eu ou não.

Mesmo que essa estranha sensação
Seja a pobre inspiração
D’uma poetisa insípida e desencontrada,
Perdida, desnorteada e quiçá iludida,
Sou, para além da dúvida o que eles são,
E eles, talvez mesmo sem que o saibam,
São o próprio latir do meu coração.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Rodopio

Inóspitas paisagens
Se desenrolam, insistentes,
Perante o meu olhar que deseja recusar-se a ver…
Mais bem miragens,
Ilusórias, incongruentes,
De uma rotina persistente
A rigor vestida de fantasia…
E no deserto árido da vida
Em que ela própria é porém o ser,
Nessa dor agudamente sentida
Desperto de novo,
Viçosa, fresca, renascida,
Num oásis verdejante de verdade,
Onde o nada é pleno saber
E a ilusão não tem guarida!
É aqui que quero ficar,
Insegura,
Talvez mesmo perdida,
Livre e despojada de amargura,
Porque assim insegura me reconheço,
Assim perdida me encontro,
Assim livre e despojada desvaneço
Num infinito rodopio sem conta nem medida.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Ouvir

Não nos ouvimos! E isto é um facto.
Habituámo-nos de tal maneira ao ruído exterior, prestamos-lhe tamanha atenção, que esquecemos totalmente o nosso ruído interno, o borbulhar do corpo, o bater do coração, os sussurros da alma.
Ouvimos o ruído externo. E ouvimo-lo muito atentamente. As vozes de aclamação, os gritos de protesto, as declarações políticas, as narrações, os relatos e as invenções dos meios de comunicação, a publicidade, etc., etc.
Ouvimos as opiniões dos outros, ouvimos as nossas próprias convicções, ouvimos o que nos interessa e o que não nos interessa, e produzimos mais ruído ainda ao contestar, ao defender, ao apologizar, aom julgar, ao acusar. Enfim, entregamo-nos voluntariamente ao ruído que nos aturde e nem sequer nos apercebemos que esse aturdimento nos ensurdece.
Não ouvimos o nosso pensamento, que sentindo-se livre porque não é ouvido nem controlado, cavalga desenfreado e enche o mundo de disparates, de maldades. Não o ouvimos quando ele segreda sensatezes e não o ouvimos quando explode em absurdos.
Não ouvimos o corpo. Não ouvimos o seu movimento de máquina perfeita nem os pequenos ruídos que o seu funcionamento gera. Nunca o ouvimos. Atafulhamo-lo de porcarias, alimentos impróprias, substâncias tóxicas. Violentamo-lo com a violência do abuso, dos ritmos excessivos que o levam à exaustão. E quando ele pede socorro, através da indisposição, da dor, da doença, mil razões são apontadas para o problema, mil soluções apresentadas para a cura, mas nenhuma dessas razões é a razão que verdadeiramente o apoquenta nem nenhuma das soluções é a adequada ao seu problema.
Não ouvimos o coração. Não prestamos atenção ao seu bater. E vemos ódio onde há amor, vingança onde há boa-vontade, tristeza onde há alegria. Porque não o ouvimos, não sabemos nem dar nem receber. Porque ignoramos o seu suave palpitar ou o seu furioso galope, passamos pela vida sem compaixão e em constantes enganos, que é afinal o caminho trilhado por aqueles que, não sendo surdos, não querem ouvir.
Não ouvimos a alma. Essa então, cuja voz é tão suave e murmurada ainda que de infinita firmeza e verdade, nunca é ouvida. A essa calámo-la até antes que fale. Chamamos-lhe “a voz da consciência” e zombamos dela. Achamos que não tem realidade, que é totalmente obsoleta, e se por vezes falámos nela, ou é para lançarmos uma boa gargalhado à custa de quem nela acredita, ou para brincarmos um pouco à poesia e ao romantismo onde achamos que, palavras como essa, encaixam na perfeição.
Não queremos ouvir a alma, nem quando ela dói. Nem quando ela, no seu quase silêncio, nos pede aos gritos que a ouçamos; que lhe demos mais crédito a ela do que aos milhentos iluminados espertos, eruditos cartesianos, teóricos cristalizados e interesseiros argutos que inundam as nossas vidas com um ruído ensurdecedor, impedindo-nos de a ouvir.
Se alguma vez, por uma fracção de segundo que fosse, conseguíssemos eliminar o ruído exterior e nos permitíssemos prestar atenção ao ruído leve e suave de nós próprios, a nossa vida, a partir desse momento, jamais seria a mesma.

Semear

Qualquer atitude que tomemos, qualquer acção que façamos, tem indiscutivelmente a sua repercussão. A lei da causa e efeito aplica-se, sem excepção, a tudo na vida.
Semear significa fomentar, significa preparar o aparecimento de algo, disseminar, espalhar. Significa ser na verdadeira acepção da palavra porque o ser humano não é um compartimento estanque mas sim o somatório e o gerador da pluralidade.
É portanto indispensável que, ao pretender semear, tenhamos em consideração alguns pontos fundamentais:
- Há que semear com a consciência plena de que a colheita será sempre da mesma natureza da semente.
- Há que semear sem a expectativa de colher, porque contrariamente ao que se pensa, querer não é poder.
- Há que semear com o firme propósito de não interferir com as leis da natureza. Ela tem o seu papel e é, queiramos ou não, indiferente às opções humanas.
- Há que semear com o propósito firme e consciente de não prejudicar.
- Há que semear com inocência, com pureza, com altruísmo.
A semente assim lançada à terra germinará nas condições ideais, e nem a geada nem o vento furioso poderão impedir ou deteriorar a sua plena germinação e florescência.

domingo, 26 de setembro de 2010

Inquérito / Enquiry / Encuesta

Dear reader,
Would you like my posts originally in Portuguese to be translated into English? If you would please let me know.
Thank you.

Estimado lector,
Le gustaría que lo que publico en Portugués fuera traducido al Español? Si fuera el caso por favor dígamelo.
Gracias

Reflexão

Fiz recentemente cinquenta anos. Não que isso me preocupe do ponto de vista físico, mas num exercício analítico,  olhando para trás com o distanciamento sensato que a vida parece conferir, não posso deixar de lamentar as barbaridades que a ignorância de nós próprios nos faz cometer. Não se trata de arrependimento, trata-se de discernimento. Não se trata sequer de corroborar a frase batida do “se eu soubesse o que sei hoje”. Não, não é isso.  É, sim, a constatação do que é a evolução do ser humano.
O que outrora nos parecia correcto, a coisa certa a fazer, agora passados alguns anos, à luz do presente e do conhecimento que vamos tendo de nós mesmos,  parece não ter passado de uma acção insustentada, infundamentada, completamente errónea. Na ocasião tinha parecido lógica, coerente mas como podem as acções ser lógicas e coerentes quando apenas se tem delas um conhecimento pontual, ocasional, inserido somente nessa faixa de tempo?
As coisas não deixam de ser o que são pela nossa reacção. Elas são o que são e sempre serão o que são, ponto. As nossas reacções geralmente são um esforço inconsciente de mudar o que é, mas isso é uma impossibilidade. A nossa reacção nunca é isenta. Ela nasce do nosso próprio contexto de vida e a prova disso é que perante um mesmo acontecimento, cada um reage à sua maneira. A acção sem um conhecimento mais abrangente da causa e do efeito é apenas uma reacção baseada no condicionamento, no background de cada um, e o resultado só pode ser pura e simplesmente catastrófico!
Assim sendo, porquê reagir? O que aconteceria se em vez da acção, da reacção, a nossa inteligência nos conduzisse à inacção? O que aconteceria se permitíssemos que as coisas fossem o que são? Se não quiséssemos moldá-las, ajustá-las à nossa conveniência? O que aconteceria se a reacção psicológica não existisse? O que seria a vida de cada um se cada um permitisse que ela se desenrolasse naturalmente, sem necessidade de a modificar, de a moldar?
Coloca-se então a questão fundamental: como posso agir a partir de agora para que, dentro de dez ou vinte anos, não chegue à conclusão de que afinal não era bem assim, que no final de contas a lógica, a fundamentação não era essa?
Mudança, transformação, sim, mas em que moldes? E terá importância a lógica, a fundamentação particularizada? E o tempo, que papel desempenhará em tudo isto? Será que é factor de mudança? Ou será apenas uma ilusão, e tudo o que há existe perenemente aqui e agora? Será a falta dessa consciência que nos faz agir e reagir sem nexo, sem lógica, sem compaixão, numa tentativa vã de modelar a vida? Será a contextualização que nos impede de ver a perenidade?
Sejam quais forem as respostas individuais, porque a tendência é arranjarmos uma resposta e uma explicação para tudo, sem ao menos ponderarmos se estaremos na via correcta, alguma vez ousaremos aceitar as coisas como elas são, sem querer mudá-las?

sábado, 25 de setembro de 2010

Só, completamente só,
Tendo-me apenas a mim mesma por companhia,
Deixo que o rio da vida siga o seu curso,
Deixo que a água serena da verdade
Percorra cada canto do meu ser,
Cada espaço recôndito e obscuro
Que jamais ousei trazer à luz do dia…
Deixo que o canto das águas
No seu correr infinito e eterno
Me ajude a escutar
O pranto contido do sofrer…
Deixo que apague o inferno
De um vazio incompreendido
E que nutra o solo de um silêncio
Imenso que quero compreender…
Só, comigo mesma,
Num aparente penar,
De um estado amorfo e frio
Renasço como água, como rio,
E no leito do meu sentir
Que por instantes se volve sensível e terno
Descubro, dentro de mim
Toda uma vida todavia por nascer…

Centella

Por muy penoso
Que sea nuestro dolor,
El dolor que al final
Colma un mundo en llanto,
Fruto de nuestra propia creación,
Siempre habrá,
Guardada muy adentro
Como un secreto silencioso,
Allí, donde se cobija el amor
Y donde la vida destella
Su esplendor,
Una centella!
Y esa centella, en su fulgor,
Mantendrá siempre encendido
El brillo de la eternidad,
Que no es el de una distante estrella,
Sino el de la risa y del llanto
De quién busca
En la vida
El porqué de su existencia,
La música de su canto,
Su universal identidad!

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Calma

Só quando me rodeio de calma,
E faço do silêncio e da imensidão
O lar da minha alma,
O meio do meu ser…
Só então vivo, só então vou,
Despojada de quereres,
Isenta de desejos e de quaisquer haveres,
Mera vertigem levada pelo muito do que não sou,
Ao encontro da liberdade.

E porque não me defino,
Navego no seu seio e entendo as marés.
Sei das fases da lua e dos ventos do norte,
Sei da divindade
E da semente em que germino,
Entendo os mundos e a verdade…

Afasto-me assim da sorte gerada pelo homem,
Imune ao mais ínfimo revés,
Porque o verso e o reverso
Da medalha que o homem tão bem engendrou
São farinha do mesmo saco,
São a própria ilusão, a própria falsidade,
Que sempre o alimentou…

Quando cesso de ser
Sou!
E neste findar está o início e o fim
Do que não principia nem acaba,
De tudo o que houve, há, e vai haver
P’ra além de mim!

Se a cabeça pensasse...

A cabeça não pensa. Não pensa que o seu prazer poderá ser a dor de outro, o seu capricho a desgraça de outro, o seu querer o sacrifício de outro. A cabeça não pensa no efeito das suas causas, na consequência dos seus actos, no resultado das suas extravagâncias.
A cabeça não pensa. Não pensa porque não sabe, mas está convencida que a sua ignorância é conhecimento. Está convencida que os seus actos, os seus disparates, as suas fantasias e imaginações são a realidade que sustenta a vida. Está convencida de que quem não é assim é aberração da natureza.
A cabeça não pensa. E de disparate em disparate, de fantasia em fantasia, de narcisismo em narcisismo a cabeça mirra, definha, seca, cristaliza. E o mundo mirra, definha, seca e cristaliza.
Se a cabeça pensasse…

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Silêncio e solidão

A sombra escondia-se do raiar da aurora. O silêncio instalado com o adormecer dos homens cobria ainda o mundo com o seu afago e eu, repousada por um sono no abraço condescendente da noite, abri a janela do meu horizonte e enchi os pulmões com o ar quedo e vivo do amanhecer.
Que longe pareciam as trevas de outrora que nem o sol fulgurante de um meio-dia quente e brilhante podia então iluminar. Despertei com a alma nua e por um instante quis agarrar o tempo e prendê-lo numa mão fechada, crispada até, tal era a vontade de romper o carácter efémero do momento. Silêncio e solidão.
Que medo têm os homens da solidão! E como temem o silêncio! Preferem a multidão controversa e antagónica à natureza pura e desnudada sem a presença de seres atribulados e em tonta correria. Preferem o ruído dissonante que eles próprios criam ao suave murmulhar das árvores e ao sussurro reconfortante da brisa que passa.
Depois sentem-se infelizes porque se sentem sós. E nem sequer se dão conta de que a infelicidade e a solidão só existem porque eles próprios se afastam deles mesmos.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Só eu sei de mim

Quem vai compreender a dor que sinto?
A felicidade que me inebria?
Eles, que nada sabem de mim?
Eles que correm, feitos doidos, feitos cópia,
Em constante frenesim, atrás de um ideal absurdo
Que os faça deixar de ser assim para ser de outra maneira? 

Mas que inútil brincadeira, essa do devir.
Onde querem chegar afinal?
Onde pensam que podem ir se não sabem sequer o que os faz respirar?
Reagem sem pensar, vivem d’imitação,
Enganados, iludidos, vêem uma imagem original
Num espelho por demais repetido.
E veneram o logro, futuro de um presente irreal…
Vivem em segunda-mão: que quotidiano tão bem urdido!
Pena que não passe dum modelo instituído,
Mera projecção leviana de um insano colectivo…

Que lhes assista a coragem de deitar por terra
O que foi decidido, por vantagem, por conveniência;
Que se atrevam e se despojem no silêncio e no nada.
Talvez nessa nudez exposta encontrem a verdade…

Que não queiram galgar montanhas
E vencer obstáculos
Num caminho já traçado e gasto pelo arrastar dos séculos;
Que não queiram ser vencedores de metas alheias,
Títeres de políticas e ideias,
Seguidores de vãs filosofias,
Actores secundários d’estranhos espectáculos…

Que ousem ser o que são, sem destinos nem caminhos,
Que se atrevam a mudar de opinião
E saibam permanecer livres e sozinhos!
Que nessa solidão se deixem levar pelo eterno desafio da mudança,
E sejam como um rio que, num movimento sem fim
E embora tenha leito definido,
Jamais se impede de secar, de transbordar
Ou de fluir assim-assim!

Quem vai compreender a dor que sinto?
A felicidade que me inebria?
Só eu mesma sei de mim.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
Licença Creative Commons
This obra is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Não a obras derivadas 2.5 Portugal License.