Ainda bem que no meio da luta e do caos são espectadores os meus olhos, ouvintes os meus ouvidos, passivo e compassivo o meu coração. Ainda bem que outros olhos me vêem e outros ouvidos me escutam e outros corações latem a compasso com o meu. Poucos sim, mas os suficientes para alimentar a minha coragem, a minha cruzada silenciosa e solitária.
Ainda bem que os meus olhos vêem e os meus ouvidos ouvem e o meu coração bate compassado ao ritmo do natural. Ainda bem que os meus pensamentos mudos murmuram às criaturas o silêncio que elas não ouvem. Ainda bem que traçam no espaço com tinta invisível e indelével um caminho quase esquecido, um caminho calado e discreto que poucos ousam trilhar. Ainda bem que gravam no tempo, na própria eternidade, um sentir que dificilmente pode ser expressado.
Os muitos outros olhos que não me vêem, os muitos outros ouvidos que não me ouvem, os muitos outros corações que não palpitam como o meu, são esses que me fazem mergulhar em mim, e ver-me e vê-los. E assim compreendendo-me, compreendo-os. Através de mim, porque eu sou eles, os olhos começam a ver, os ouvidos começam a ouvir e os corações palpitam com outro som.
Como me aprofundo então! E como se esboroam os actos da superfície, os gritos vociferados no calor da ignorância e da escuridão! E a vida toma-se da qualidade de um arco-íris que se desenha no céu, precisamente naquele espaço indefinido, único e misterioso, que junta a sombra e a luz, o seco e o molhado, o húmido e o ressequido, o velho e o novo, o falso e a verdade!
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