quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Rotina

Ao domingo são os passeios, as caminhadas e as corridinhas. Ou os centros comerciais ou as grandes superfícies. Ao jantar são as notícias. As notícias diárias que estimulam sentimentos e emoções e que as estagnadas massas cinzentas das massas absorvem intensamente. Há que alimentar com sandices e absurdos os cérebros ressequidos. Muito mais do que a comida esquecida e arrefecida no prato, há que tomar o alimento mental, a injecção diária de comportamento e conduta estereotipados, o comprimido da imitação. Depois do jantar o café, a troca habitual de larachas, a disputa rotineira e oca sobre futebol. E amanhã será igual, e depois de amanhã, e depois de depois de depois de amanhã. Não importa o hábito que se tenha, o costume que se siga, a rotina que se leve, a tradição que se cumpra, o país em que se viva.

Ah, como se compartimenta e se mata a vida. Como se vai tentando, dia após dia, fazer dela um ritual. Disto ou daquilo, não importa. Como se vai reduzindo o seu sempre novo conteúdo a uma classificação inerte, restringida, limitada, inútil. Pouco a pouco, pedaço a pedaço, vai-se assassinando a vida. Vai-se assassinando o tempo. E quando o tempo é já escasso e da vida viva já nada sobra, encontra-se o próprio nada. Vai então desejar-se preenchê-lo. De coisas vivas desta vez, de coisas desiguais, inclassificadas, não catalogadas, únicas no tempo e no espaço. Mas porque se desperdiçou o tempo, porque se matou a vida, sobrará, perene e insatisfeito, apenas esse desejo.

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