segunda-feira, 29 de outubro de 2012

“O Manual do Homem Novo” – Oitava e Última Parte

(continuação)

Garden of Eden - Vladimir Kush

Depois do começo
Esta nova acção total não combina contigo, com essa tua parte construída com informação e opiniões. Procuras então alguma actividade fragmentária para recomeçar o círculo do absurdo, do nada escuro que te chama com inquietude e nostalgia a partir do teu próprio ser. Mas estás solenemente acordado e vês a impossibilidade de regressar do todo para a parte. Encontras-te num inferno de paz. Ocultar um desgosto, sepultar uma dor com o sexo, com a acção social, com a bebida, com a chamada “religião”, com a chamada “política”, com qualquer das inúmeras palas que usamos, é semelhante a enterrar uma semente que inevitavelmente explodirá em centenas de raízes ocultas de novas dores, de novos sofrimentos. Enfrenta a dor, não a respeites, que morra agora quando surge, porque com a primeira distracção ou consolo, não fazes senão enriquecer a sua fertilidade. Destrói as sementes da dor abordando o sofrimento agora mesmo, com as armas mais difíceis de forjar: a quietude e o silêncio.
Tens que enfrentar a essência do teu problema. Aprender a arder com a tua própria tranquilidade, a queimar-te a cada segundo na sagrada arte e difícil ciência do teu próprio silêncio, e aprender a inesgotável lição do teu silêncio.
 
A herança
O homem velho não está satisfeito com o novo mundo. O homem novo sofre perante o homem velho. Mas já não se trata de estar satisfeito nem de não sofrer. Também já não se trata de estar satisfeito e/ou feliz. A questão transcende todos os limites. Trata-se da morte ou da vida do homem. Trata-se de continuar o caminho do homem velho no sentido da automatização, da rigidez e da proibição, da mineralização, da inconsciência, do autoritarismo, das guerras periódicas, das doenças psicossomáticas e da morte. Ou de regenerar a espécie humana em nós próprios para que siga o seu novo caminho no sentido da amizade, da flexibilidade e da compreensão, da consciência, da cooperação voluntária, da paz duradoura, da saúde total e da vida.
Trata-se de que morram em ti todos os elementos do homem velho que herdaste em mente e em corpo. Identificar esses elementos velhos que se manifestam a cada momento no teu ser, em actos, pensamentos e sobretudo nas palavras, é a tarefa mais urgente que convém empreender, tomando, além disso, consciência da incongruência do homem velho que favorece e justifica todas as suas atitudes (autoritarismo, guerra, etc.) em nome da “Nova Humanidade”.
Cada palavra e feito teus será um testamento; trata de que não seja o mesmo que nos legou o homem velho. Dá afecto, dá amor sem medo e sem causa, com palavras (poucas), com feitos e com silêncio. Dá amor sobretudo se não o recebeste. Dá carinho, amizade, amor, amabilidade, porque são o remédio principal e sobretudo porque herdaste muito pouco disso. Lega o carinho e a amizade porque não há outros caminhos nem métodos para chegar ao caminho luminoso do amor. Ele chega quando nós próprios decidimos abrir os olhos e caminhar.
Destrói a tua herança de proibições e deixa por herança a liberdade. Sê livre: dá liberdade. Crescerá assim a tua capacidade de identificar e ouvir todos os homens novos de todas as épocas, e de que todas as suas verdades se façam em ti uma só verdade. Hoje e aqui.
 
O ser humano novo
Pode ser homem ou mulher. Pode ter relógio. Pode não tê-lo, mas a sua mente libertou-se do tempo. Pode ter ou não ter, mas libertou-se de ambas as coisas. Pode viver em qualquer país, mas não pertence sequer ao mundo. Não prepara revoluções armadas em grupo. Realiza a sua única revolução em si mesmo, o que é mais corajoso e muito menos cómodo; é a única revolução directa, é uma revolução de cada momento, na rua, em casa, no trabalho e até no próprio leito de morte se lamentavelmente não a começou antes.
Não pede regras, nem exemplos, nem conselhos. Também não os dá. Não procura a alegria, vive-a sem esperá-la. Não procura a serenidade, vive-a sem esperá-la. Não procura emoções, encontra a maravilha da vida em cada momento, em qualquer lugar. O seu templo está dentro da sua pele e dentro do templo está aquilo que nem ele mesmo, por mais que desmedidamente se esforce, poderá expressar.
É um grande político construindo sem descanso a nova humanidade, a humanidade unida. A sua política é o gesto amigável sem hipocrisia, a sua atitude de respeito e o olhar profundo, cada palavra, cada acção, em cada instante, em qualquer lugar. Não partilha nenhum tipo de discriminação entre os humanos. Não procura segurança, porque sem querê-lo, já a possui neste momento e, procurando-a, não a encontrará. Afasta-se do ruído. Sabe que o destrói, “materialmente” ou organicamente inclusive. Conhece o seu ritmo psicobiológico. Respeita-o, impede com tranquilidade que se altere. Sabe que o alteram facilmente as conversas agitadas ou insípidas, a televisão massificada, a rádio comercial-publicitária, a competitividade, o consumismo, a análise, a acumulação, a opinião, a interpretação e a condenação. Aceita-se tal qual é. Não deseja mudar porque sabe que estando vivo e desperto, será diferente a cada instante.
Não adquire nem consome continuamente porque conhece as suas necessidades físicas. É-lhe suficiente satisfazê-las natural, tranquila e prazenteiramente. Simplesmente protege a sua vida. Incondicionalmente protege a vida. Pode ter esposo ou esposa. Pode não ter. Em todos os casos, é livre. E aceita a liberdade do outro.
Não tem direitos nem deveres. Toda a sua acção surge espontaneamente da total aceitação da vida, isto é, do amor. As suas relações são estáveis porque são sãs e as suas relações no amor surgem da total aceitação não deliberada. Não pode conceber que as relações de amor tenham um fim porque conhece o amor, e não pode conceber que existam relações que persistam somente por dever e por direito, por culpa ou por responsabilidade.
Jamais espera que seja outro quem salte antes. Salta ele sem desejar ser o primeiro a fazê-lo. Não interrompe o seu despertar nem sequer quando dorme. O Ser Humano Novo está só e sabe-o. Só ainda que no meio da multidão. Só na vida e na morte, e sabe também que o seu destino é o destino de todos. Por isso compreende que com a sua própria liberdade real e com a sua própria regeneração, acabou de começar a regenerar-se e a libertar-se a humanidade inteira. 

Quem tenha olhos para ver, que veja.
Quem tenha ouvidos para ouvir, que ouça.


FIM


3 comentários:

  1. Olá Isabel querida...

    Gostei muito de ler estes textos... Obrigado!

    Bjhs

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  2. Tb gostei...identifico-me muito com algumas partes deste processo.
    Muito gradecida pelos textos.

    Um loooongooooo abraço

    ResponderEliminar
  3. Cara Isabel,
    Gostaria de colocar uma questão, que de forma nenhuma macula sua escrita, bastante por si só.
    Entretanto usastes o termo "homem" para definir a raça e usastes o gênero masculino antes do feminino "Pode ser homem ou mulher" e isso é um crasso vício redibitório.

    Vou explica-lo:
    Mais de 90% da natureza é feminina, a imensa maioria dos animais são fêmeas (apesar dos doutos quererem tornar isso meio ambíguo!) e mais, ÉS mulher!! Não tem sentido seres "falocrática" em sua retórica fantástica, tens que colocar SEU gênero em primeiro lugar, sem essa de seguir a cartilha "falogramatical" onde o macho é sempre o aráuto do texto.

    Humanos são humanos e não homens, aliás, homens já não mais existem e a prova disso é o viagra, os afrodisíacos, que são os esteróides anabólicos dos pusilânimes, dos não tão machos. Se usas o termo "homem" como a raça, sem querer estas legitimando a opressão covarde que é perpetrada pelos homens (os viagreiros carentes de esteróides fálicos) e pela imunda "fecosofia" judaico cristã, que coloca a mulher como imunda, como culpada, como pecadora, como todo tipo de abjetisse que perpetua a agenda pederasto misógina pedofílica (aquela que glamouriza as raspadas, as imberbes tal e qual meninas impúberes.).
    Escreva com orgulho seu gênero antes dos mutagenistas machos (a Fêmea é a geradora, o macho é o agente mutante que buscava o upgrade da raça, hoje em dia busca apenas saciar as eonistas capacidades metrossexuais)
    Se o tal deus precisou abduzir e estuprar uma mulher (Maria) para fazer o filhote dele (cristo), fica mais do que claro que a verdadeira divindade é feminina e não pederasta misógina!!

    Caso eu tenha "avançado o sinal", peço que me perdoe, pois o que busco é a redenção da depositária do destino da humanidade, a Mulher.


    Abç.
    César

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