terça-feira, 31 de agosto de 2010

Pensar

Por vezes é um verdadeiro corrupio
Quando me ponho a pensar;
Não que eu queira, que nem sempre quero,
Mas o pensamento desabrido,
Qual mero vento de Inverno, repentino e arredio,
Leva-me p’ra longe, muito p’r’álem do ser e do estar!

Então penso um pensar viçoso, vivo, colorido,
Com aquela qualidade fresca e renovada
Que tem uma folha nova, na Primavera, logo depois de ter nascido!
Inebriada vou ao sabor do vento
Que de sopro em rajada me leva céu adentro!

Parece então que deixo de respirar
Tal é a pressa que o vento tem de cavalgar, endiabrado,
Nas nuvens e nas ondas de um mar não mapeado;
É como se fosse uma tarde de Verão este pensamento,
Daquelas que, quentes e possantes, nos deixam lassos;
Não há como resistir: fecho os olhos, abro-lhe os braços
E a ele me entrego de coração!

Mas a páginas tantas enruga-se-me o pensamento:
Parece que fica sem vida, descolorido, inútil, amarelento,
Tão sem sentido como uma folha no Outono
Depois de ter caído.
Por terra, ali fico numa inércia sem fim…

Mas eis que então, como se fosse um alerta,
Sopra ligeiro um vento que me desperta e me faz voar…
E quando dou por mim, queira ou não queira,
Lá estou eu de novo a pensar!

Não ser nada

Ser poeta ou escritor é oferecer,
Assim de mão beijada,
As palavras que esculpiu,
Não querendo em troca nada;
É desejar que fiquem a bailar,
Doces, insistentes, acutilantes,
Na mente de quem as viu.
É querer que façam ninho na mente do leitor
E que, de uma simples palavra, fecunda, inusitada,
Nasça toda uma prole de palavras e actos e gestos deslumbrantes,
Não para que alimentem gente vã e inglória,
Mas para que talhem caminhos diferentes, pujantes,
Para que construam uma nova história.

Ser escritor ou ser poeta é ser tudo o que não é dever,
É ter a alma desperta,
Um coração a ferver que vai moldando o destino;
É viver uma vida incerta,
Escrevendo para ocultar o desejo único, prístino,
De morrer para o mundo e voltar a nascer.

Ser poeta ou escritor é deixar uma porta aberta
Que todos podem franquear;
É soltar a torrente interior e fluir com ela,
E aprender a criar;
É pois ser-se criador,
Não de mundos mas de amor,
Não de seres mas de unidade;
É estar só e albergar no próprio coração,
Inteira, a humanidade.

Ser poeta ou escritor é não o ser,
É não agarrar as palavras em acto de posse
Mas docemente ajeitá-las no peito
E lançá-las ao vento
Sem que com isso se sinta nem despojado
Nem vazio nem sedento.

Ser escritor ou ser poeta é não encerrar lá dentro,
Como se numa gaveta raramente aberta,
O momento em que as palavras nascem;
É deixá-las livres, soltas no tempo,
Ou quietas e bem aninhadas
Na berma duma qualquer estrada
Esperando os que por lá passem!
É não deixar que delas se apodere
O cheiro a bafio de algo velho, ressequido,
É fazê-las correr leves, livres, frescas e límpidas
Como as águas de um rio tranquilo, vivo e célere.

Ser poeta ou escritor não é arte, é expressão;
E da mesma forma que pode ser tomada como estandarte,
Assim mesmo pode ficar silenciada em qualquer rincão.
Não é arte, não, é coração:
E cada palavra uma batida, um ritmo, uma carícia, uma pulsação.

Ser escritor, ser poeta, é para tal não estar talhado,
É não caber nas definições:
É escrever sem regras, sem restrições,
Sentir as palavras apenas porque que se é livre,
Porque o sentir está intacto,
Porque se não foi silenciado à força de nenhum pacto.
É esquecer métricas e lembrar liberdades,
Olvidar tónicas e relembrar imensidões,
É não querer saber de versos ou d’estrofes ou d’estruturas:
É tão só deixar solta a alma e encontrar,
Porque não se procuraram, novas dimensões;
É amar o que as palavras alcançam,
Por entre risos e dores, agruras e aspirações.

Ser poeta, ser escritor, é usar a palavra como ponte,
Ousar levá-la longe, bem longe,
Lá onde dizem habitar o perigo.
É enfrentar quimeras, confrontar ilusões,
Enfrentar monstros, confrontar convicções;
É, dos próprios sonhos, degrau a degrau, subir a escada.
E depois da escalada, tendo encontrado porto de abrigo,
Ser poeta, ser escritor, afinal, vendo bem, é não ser nada!
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