quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Quando

Quando já nada apetece
É porque a vida parece uma paisagem desolada,
A própria alma esmorece e o horizonte,
Cheio desse nada, nega a esperança de uma outra vida
Nova, mudada.

Quando já nada apetece
É porque a própria alma enfraquece o brilho
Das estrelas e, negando-se a ler nelas,
Fenece numa luz ténue desconsoladamente
Inerte, apagada.

Quando já nada apetece
É porque a vida não esquece a alma perdida
Que estremece perante o abismo da verdade e da mentira,
Alma essa que secretamente deseja ser uma nova
Fénix renascida.

Não há como fugir...

Não há como fugir! Uma vez se tome consciência de como o ser humano funciona em essência, não há como negar todas as suas potencialidades e o seu poder de percepção e discernimento. Depois de compreender o que realmente se passa na sua consciência, no seu pensamento, na sua conduta, não há volta atrás. Nunca mais a vida é como no-la fazem crer, nunca mais os aspectos e as expressões do ser humano são um estereotipo padronizado, condicionado e limitado por uma civilização cujo interesse parece tudo abranger menos a realização do ser humano como ser humano universalmente inserido!
A partir do momento em que nos apercebemos que a nossa realidade não é o papel que fomos cuidadosamente ensinados a representar, já nada pode ser como antes! A partir desse momento de tomada de consciência profunda todos os pensamentos que nos afloram, ainda que a princípio venham maculados com o estigma da tradição, do socialmente correcto, da moralidade inventada para servir interesses próprios, são já despojados de particularidades e de estruturas individuais, sociais, económicas e religiosas, e tocam por isso a própria raiz da realidade autêntica!
Tudo o que pensamos, tudo o que sentimos, tem na realidade um sentido que não se insere no hábito, nos costumes, na chamada vida social e civilizada do indivíduo! É como se a percepção, o verdadeiro discernimento, ficasse tão extremamente agudizado que qualquer imprecisão é imediatamente notada e compreendida. Então, tudo o que vemos, sentimos, pensamos, é de tal modo claro, de tal modo límpido que passamos para além do significado comezinho das coisas e vemos distintamente o seu verdadeiro valor! E o que é mais surpreendente é que todos os valores, todos os significados que até então atribuíamos à realidade, a essa pseudo-realidade, são mostrados tal qual são, na sua verdadeira natureza ilusória, transitória e fútil, ficando assim reduzidos ao seu único e verdadeiro valor intrínseco. Tal visão, tal percepção, abre horizontes a uma nova forma de pensar, de sentir, de ver! E é nessa altura que o absurdo se desmorona e permanece apenas a essência daquilo que de facto é!
Tudo isto é doloroso porque uma vez tenhamos visto as coisas como elas realmente são, o nosso anseio de aprofundar é tremendamente enorme. É que a realidade afigura-se-nos então revestida de semelhante riqueza e beleza que o retrocesso à escuridão e à ilusão conceptual em que sempre vivemos é uma perversão tal que nos magoa profundamente o simples facto de, por qualquer motivo, sermos obrigados a retornar-lhe.
Não há como fugir, partindo do princípio que eventualmente poderíamos desejá-lo, desta estonteante forma de ser. Uma vez sentida, profundamente consciencializada, não há como fugir-lhe. Ela é plena, completa. Não se deseja nada, não se precisa de nada, porque tudo o que há para desejar, para querer, para ansiar, está nela contido e de uma maneira tão profunda e intensa que tudo o que resta é, serena e tranquilamente, permanecer nela, nessa aparentemente estranha realidade que, na verdade, é a verdadeira existência.
Mas atenção, isto não é tão fácil assim! A mente, tão habituada que está ao condicionamento de séculos, tem vindo a criar muito criteriosamente, ao longo dos tempos, escudos de protecção que a mantenham a salvo da verdadeira realidade e lhe permitem continuar no culto do ego. Estes escudos, estes bloqueios, estas protecções são como rasteiras astuciosas, como armadilhas camufladas, como canto de sereias que subtilmente ludibriam o incauto e o arremessam nas teias tão bem urdidas da falsa felicidade, na satisfação ilusória da posse, nas garras do poder tão sedutor, nas malhas de uma segurança inexistente e efémera, mas cuja estrutura tem vindo a ser sido tão perfidamente edificada!
Por inconsciência e por ignorância, procuramos essa falsa realidade, procuramos imitar quem mais se assemelha ao ideal que secretamente veneramos, procuramos um líder carismático que nos ensine a ser pessoas de sucesso, procuramos o poder aquisitivo que nos permita obter o respeito dos outros, procuramos honras e notoriedades, protagonismos e glórias que permaneçam depois de nós e nos garantam, desde já, um lugar de destaque no céu, no paraíso, no além, enfim, naquilo que achamos seja a glória espiritual depois da glória terrena!
E naqueles parcos momentos em que, por alguma razão que desconhecemos ou que pretendemos desconhecer, se abate sobre nós um vazio imenso, intolerável, doloroso e lancinante, em vez de tentarmos escutar o que ele tem para nos dizer,  em vez de irmos até à suas profundezas e questionarmos o porquê da sua existência, corremos a afundar-nos em trivialidades, em superficialidades que proporcionam satisfação transitória. Esse vazio indica a frustração do ser que se conduz na vida em perfeita desarmonia com a sua própria natureza mas indica também um caminho: o caminho do autoconhecimento, o caminho que faz esquecer o parcial e insere inequivocamente o ser humano na única via possível: o caminho do ser total!
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
Licença Creative Commons
This obra is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Não a obras derivadas 2.5 Portugal License.