quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Borobudur

Gosto de pensar que a vida, no seu mais lato sentido, no seu todo, é como o templo de Borobudur!


Tido como um templo budista, Borobudur é, segundo a interpretação religiosa, um local de peregrinação, uma espécie de centro de formação para aqueles que querem atingir a iluminação.  

Ali, o peregrino inicia a sua longa e dura viagem no nível inferior. Percorrendo toda a sua extensão, vai tomando conhecimento das suas diversas características através dos factos relatados nos baixos-relevos com que se vai deparando. Não consegue ver os níveis superiores, nem sequer aquele que está imediatamente acima do seu. Nada há porém que o impeça, mediante o conhecimento que vai obtendo na caminhada, de os pressentir e de tentar até desenhá-los no seu pensamento, na sua imaginação. 

Chegado ao fim desse nível, o peregrino ascende então ao nível seguinte. Aí constata que não só continua a não poder ver os níveis seguintes, como também lhe é impossível ver o nível que acabou de deixar para trás. A viagem, aparentemente, é igual à anterior, situando-se as diferenças apenas na ampliação e refinamento do conhecimento e da consciência.  

Nível a nível, o peregrino vai fazendo o seu percurso ascendente. E sempre sem conseguir ver nem o superior nem o inferior. A sua consciência, constituída pela experiência obtida nos níveis inferiores, ao ser ampliada no nível seguinte é também depurada dos conteúdos supérfluos adquiridos no nível anterior.  

Uma vez chegado ao cimo, onde imponentes estupas contemplam, a partir de majestosa altitude, a natureza circundante, o peregrino terá atingido a iluminação após ter atravessado as três esferas da cosmologia budista representadas pelos diversos níveis: a do Desejo, a da Forma e a da Ausência de Forma. 

Na vida, e não me refiro aqui à sua acepção cronológica mas sim à sua qualidade intemporal e infinita, gosto de pensar que o homem passa por estádios idênticos. Num estádio inicial, digamos, colhe alguma experiência e adquire algum conhecimento, calcorreando caminhos árduos, procurando refúgio das agruras nos desejos e prazeres mundanos, totalmente afundado na massa grosseira e tosca da superficialidade e da materialidade. Assim atolado, não vê, tal como o peregrino em Borobudur, nenhum estádio superior. Mas pode, no seu íntimo, aperceber-se dele, vislumbrá-lo. 

É esse vislumbre que abre caminho para o estádio seguinte. Aí o homem sente a necessidade imperiosa de se libertar das paixões básicas, arrebatadas, que o cegam e que, contra a sua própria vontade, lhe ditam um rumo que já não quer tomar. Embora um pouco ainda como barco à deriva, e apoiando-se quase exclusivamente em estruturas materiais, ele luta já em resposta a um impulso interior que sente mas todavia não compreende. Pelo menos não totalmente. 

Esse impulso interior é a chave de acesso aos estádios seguintes. Apercebendo-se da enorme riqueza e profundidade do seu próprio ser, e começando a ter consciência de “o Todo em Tudo Sempre”, o homem liberta-se das amarras que o prendem à superficialidade, ao individualismo, ao mundo fenomenal.   

Consubstanciando-se, como éter no éter, do estupa no topo do topo, homem e divindade, feitos um, contemplam o eterno incomensurável.  

Gosto de pensar que assim é…

1 comentário:

  1. Muito bacana seu texto! Acho que é bem por aí, ao ser impossibilitado de ver o andar superior e o andar inferior o indivíduo passa a concentrar no agora, naquilo que acontece nesse exato momento sem pensar no futuro e tampouco no passado. Isso vai de encontro com a perspectiva budista de viver o presente e se desapegar dos prazeres mundanos e materiais.

    Já ouviu falar que as medidas desse museu são harmônicas? Questão de ele cabe num triângulo de pitágoras, a relação de andares 3(andares circulares-5 (5 andares "retangulares"-8 (numero de andares) Sequência de Fibonacci). Veja o livro "O Poder Dos Limites" é maravilhoso.

    Obrigado pelas palavras!

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