segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A Hora do Silêncio ou a Aventura da Solidão




Quando deixamos para trás o bulício insuportável do quotidiano frívolo e mecanizado e fechamos a porta ao ruído repetitivo e persistente da mente que, diligente pupila da nossa vontade, pensa sem cessar o que se lhe ordenou, entra-nos porta adentro o silêncio.
 
Tão raro é que a princípio estranha-se. Não é tarefa fácil desembaraçar-nos daquela sensação frustrante do “falta alguma coisa”. Persistindo nele porém, descobrimos aos poucos que a tranquilidade que o acompanha desvanece a frustração.
 
Quase sem nos darmos conta, o silêncio cresce, cresce e torna-se imenso. Espalha-se pelo chão, sobe paredes acima, cobre o tecto, preenche cada fresta nas paredes, cada junção das tábuas do soalho. De tão imenso, transborda janela fora e enche o mundo. Estende-se por cidades e ermos, oceanos e rios, montes e vales. Está no ar, na luz, no som. O chilreio e o trovão distante são silêncio. A chuva e o vento e a onda que rebenta são silêncio. É silêncio a estrela, a galáxia, o cosmos inteiro. É silêncio a ideia, o pensamento e a palavra. É silêncio a vida, a existência, a criação.
 
Só o silêncio toca o eterno, morada única do ser universal. Terra de ninguém onde o ego não tem entrada.

6 comentários:

  1. Isabel,

    Bonito como sempre as tuas palavras.

    Apesar do silêncio ser um momento insubstituível, só o é para aqueles que deles desfrutam e não lhes faz qualquer moça por terem outras actividades, para esses representa uma mais valia. Para os que sofrem o silêncio como solidão, esse é um peso insustentável, sem o seu carisma bucólico.

    Um beijo

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  2. Muito obrigada, Dr. Octopus!

    Sim, a solidão pode ser muito dolorosa, mas apenas quando fazemos depender de outros a nossa própria felicidade...

    Beijinhos

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  3. Sabes Isabel,

    tenho reflectido muito sobre o tema da solidão. Um dia irei escrever um artigo sobre isso, sobre os mais velhos que já não interessam a ninguém, sobre os que várias circunstância da vida já não têm ninguém.

    Cada vez mais me convenço que os que apregoam a solidão, não estão sós, apenas querem desfrutar de um momento de solidão. Essa não é a verdadeira solidão, é apenas uma solidão temporária, desejada, um hiato nas suas vidas.



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    1. Compreendo perfeitamente o que quer dizer, Dr. Octopus, e fico ansiosamente à espera desse artigo. Como sabe, prezo muito a sua opinião, e já vários artigos seus me suscitaram amplas reflexões!

      Beijinhos

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  4. “Minha vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.
    Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhando, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios.
    - Venha, meu filho, venha ajudar-me a ficar calado.
    Ao fim do dia, o velho se recostava na cadeira da varanda. E era assim todas as noites: me sentava a seus pés, olhando as estrelas no alto do escuro. Meu pai fechava os olhos, a cabeça meneando para cá e para lá, como se um compasso guiasse aquele sossego. Depois, ele inspirava fundo e dizia:
    - Este é o silêncio mais bonito que escutei até hoje. Lhe agradeço, Mwanito.
    Ficar devidamente calado requer anos de prática. Em mim, era um dom natural, herança de algum antepassado. Talvez fosse legado de minha mãe, Dona Dordalma, quem podia ter a certeza? De tão calada, ela deixara de existir e nem se notara que já não vivia entre nós, os vigentes viventes. (…)
    Ao longe, se entrevia, na janela da casa anexa, uma bruxuleante lamparina. Por certo, meu irmão nos espreitava. Uma culpa me raspava o peito: eu era o escolhido, o único a partilhar proximidades com o nosso eterno progenitor.
    - Não chamamos Ntunzi?
    - Deixe o seu irmão. É consigo que mais gosto de ficar sozinho."

    Trecho de um livro do Mia Couto. Desculpem-me, mas não sei o nome dele.

    ...o outro "sozinho" é muito duro, não é por ecolha própria. Mas tb me faz pensar que este outro sozinho, não falando de abandono, poderá tb ter outra saída que depende de nós.

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    1. Olá querida aNatureza!

      Obrigada por este belo excerto de um livro e Mia Couto. O silêncio, na verdade, além de infinito, é mágico e tem mil faces; e uma das suas particularidades especiais é a de ser novo e único em cada um de nós!

      Beijinhos

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