terça-feira, 3 de abril de 2012

O Silêncio das Palavras

L'Ecole du Silence - 1929 (Jean Delville, 1867 - 1953)

  
Comunicar é bastante difícil para quem não partilha da quotidiana e fútil azáfama. Falar do tempo é uma absurda trivialidade e reduz o diálogo ao nível da especulação pateta. Todos os demais assuntos com que somos confrontados diariamente ou se classificam na patetice especulativa ou no absurdo redutor, e apenas deixam como rasto o eco de um insípido e incómodo cacarejo.
Tenho por isso optado por ficar calada. Não que me não corroam por dentro ácidas respostas com lesta vontade de expressão exterior, mas a antevisão da estupidez e inutilidade do diálogo que suscitariam faz com que mantenha firme a decisão de manter os lábios hermeticamente fechados.
Talvez pelo manto de nuvens cinzentas que impedem a plenitude da acção do sol, ou talvez pelo processo rítmico da vida que nos balança ciclicamente de um polo a outro, a alegria expansiva transforma-se num sentimento sombrio e introspectivo. É então que me pergunto se a palavra falada terá alguma serventia, salvaguardada porém aquela raríssima excepção em que é usada exactamente ao mesmo nível por ambos os interlocutores e serve de trampolim para uma comunicação que vai muito além dela.
Cada vez mais lhe vejo menos utilidade. Cada vez mais lhe vejo o aspecto de arma de arremesso e menos o aspecto de veículo de exploração e aprendizagem. Cada vez mais a vejo como astuciosa articulação e menos como instrumento de compreensão.
Prefiro, neste momento, a palavra escrita como reflexo da palavra não proferida que andou, muda, curiosa e bailariqueira, pelos silêncios e horizontes infinitos do pensamento. Pode não reflectir, sobre o fundo em que se estampa, qualquer verdade. Pode escrever-se injectando-lhe em cada letra um milhão de partículas de dúvida, um milhão de meias verdades ou de francas falsidades. Mas está aí, registada para memória futura, e tomará tantos matizes quantos os olhares que se lhe deitem ao lê-la.

Entre todas estas vantagens, tem a palavra escrita uma outra que em valor todas excede: porque é virgem filha do silêncio, não tendo sido estraçalhada pelo ruído da palavra falada, mantém intacta e pura a essência da fonte de onde proveio!


12 comentários:

  1. Este blog tem a mesma acção em mim que o cobertor tem no Linus.

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  2. :) Sinta-se então à vontade para o usar quando quiser, porque aqui, cara Humming, dependência significa liberdade!

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  3. Olá Isabel... Espero que tenhas o teu blogue em modelo arcaico, caso contrário a declaração "Mas está aí, registada para memória futura,..." não pode ser aplicada ao mesmo.

    Ainda outro dia estava a pensar nisto...

    "Ando para aqui a escrever balelas, e se por um azar os servidores do Wordpress avariam e eles não conseguem recuperar os dados... puf... Lá se vão as letras que tanto me custaram a escrever!"

    Outra coisa que considero que devia ser prática comum nas "Escolinhas Faz-de-conta", que se o fizessem eventualmente daqui por uns anos perderiam esta classificação, era fazer com que as crianças escrevessem todos os dias cartas para serem lidas no dia seguinte na sala...

    Se calhar sou Louco...

    Bjhs ;-)

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  4. Ó Voz, se por isso te achas louco, bendita essa Loucura! :)

    Eu, que sou mulher prevenida, e por isso valho por não sei quantas, desde o início do blogue que faço um backupzito! Não é por nada, mas relendo amiúde o que vou escrevendo faz-me ver melhor os meus próprios erros e encontrar caminhos novos por entre os velhos! Enfim, como se vê também tenho a minha dose de Loucura!

    Beijinhos!

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  5. Olá Isabel. :)
    Parabéns pela tua escrita! consegues explicar deuma maneira exemplar, com uma cadência harmoniosa e eficaz, aquilo que eu também realmente sinto, mas que infelizmente não consigo explicar com essa elegância. Poucos têm o dom da palavra escrita, mas cheguei depressa à conclusão que és uma dessas pessoas.
    Fiquei também sem palavras, com o comentário que deixaste no blogue do Voz, na MSG 613. há surpresas boas que nos deixam sem fala. Essa foi uma delas. Como o Voz, respondo o mesmo, junta-te a nós! Acredita que és acolhida de braços abertos.
    Embora eu pareça muito ríspida, sou um coração muito mole, é a minha forma de me expressar e que consegue afugentar muita gente. Daí que eu saiba quem realmente são as excepções. Essas não andam a mendigar elogios e estão prontas para os dar... coisa difícil nos tempos de hoje.
    Ainda mais surpreendida fiquei, pelo link para o "guerra", um blogue que fácilmente se passa à frente. É claro que vou retribuir o gesto a alguém que merece, apenas por ser como é.

    A palavra escrita no papel é um testemunho futuro e este recado, é para ambos. Isabel e Voz Dêem que fazer às impressoras!

    Isabel, um beijinho e um obrigada do funfo do coração pelas tuas palavras de ânimo, que por vezes são o bálsamo que me faz continuar num mundo desolador! E pelo teu post tão pertinente e origina! Haja muitos "loucos" assim!

    OBRIGADA! :) Um beijo

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  6. Ó cara Fadinha, até fiquei sem jeito com as tuas palavras.:)

    Muito, muito obrigada! E, principalmente obrigada por existires com essa sensatez e visão da vida e do mundo e esse esforço genuíno por torná-lo melhor. Afinal, é isso mesmo que importa: que cada um de nós dê o melhor de si em pró de todos. E tu dás!

    Beijinho grande

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  7. Aproveito este Silencio das Palavras que neste momento tanto sentido me faz, para lhe deixar aqui no seu blog um singelo 'Olá'. E depois disso enfatizar só mais um poucoquinho o tema suscitado.

    Onde mais sinto a necessidade deste silencio das palavras é sobre a comunicação social televisiva e radiofónica. A palavra oral que brota destas fontes tem hoje de ser muito bem doseada pelo ouvinte. Até as palavras das letras musicais me perfuram como agulhas a enterrarem-se numa almofada. Acho que da minha parte estou a começar a chegar ao ponto de nauseá da palavra oral arremessada, não como meio, mas como o fim. Se não criarmos um espaço de silencio relativo a esta catadupa constante de informação oral começamos a perder todo o significado que ela tenta representar e entrar numa surdez auditiva irreversível. Ou também apelidada de loucura... :-D

    Um bem haja.

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  8. Olá Paulo, que bom saber de si! :)

    Obrigada pelo seu pertinente comentário. Tem toda a razão: da maneira como as coisas caminham, o refúgio no silêncio é o último reduto de paz!

    Um abraço!

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  9. A miúdo leio e releio os escritos da Isabel. As palavras que os compoêm parecem tão só o espelho da enorme riqueza do latido de fundo que as habitam. Chamo-me Alexandra, deixei comentário noutra ocasião. Nesta, apenas pude entrar a comentar pela via do anónimo e por isso fiz uso do mesmo.
    Bem-Haja.

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  10. Ó cara Alexandra, muito obrigada pelas suas palavras! E sobretudo obrigada por deixar transparecer a sua imensa sensibilidade!

    É um prazer recebê-la sempre que por aqui quiser passar!

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  11. Olá Isabel,
    se eu soubesse escrever tão bem como tu, teria escrito estas palavras, porque tocam fundo em mim. Revejo-me tanto em tudo o que está escrito neste texto...

    Sabes? este foi um bom encontro para mim, vir aqui ter.

    Obrigada por partilhares tanto...de ti!

    Viva a Vida!

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    Respostas
    1. Viva a Vida, minha cara amiga! Sou imensamente feliz cada vez que o meu sentir toca, nem que seja ao de leve, o sentir dos meus semelhantes!

      Beijinho grande

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