domingo, 1 de janeiro de 2012

Contra o relógio

O tempo não é senão o ribeiro em que vou pescar.
Henry David Thoreau

Que facilmente se distrai o ser humano! Basta a perspectiva de um bailarico e de um foguetório, e ei-lo que se deixa embalar e seduzir como criança no berço a sugar na chupeta!

Natais, passagens de ano, páscoas, carnavais e todo o tipo de celebrações não são nada mais, nada menos, que panaceias inconscientemente desejadas para os males que afligem a alma humana. Por que razão haveríamos de festejar uma data, um ponto no tempo, se ele é conceito que nem sequer somos capazes de entender? E, ainda por cima, o conceito diverge: o calendário gregoriano é diferente do judeu, do islâmico, do maia. Razões superficiais, de base religiosa ou pagã, desejos carentes de realização, portanto, são o que levam o homem a festejos.
Se procurarmos algum sentido na celebração, que melhor exemplo poderá haver que o festejo solitário ou em privada companhia, de eventos que, íntimos, infímos, discretos e aparentemente de pouca monta, modificam a nossa vida e abrem alas à compreensão?
Enquanto escrevo, em pano de fundo a orquestra filarmónica de Viena, interpretando Strauss, embala-me no sonho de uma vida sem tempo. Uma vida que se vive momento a momento sem a mesquinha necessidade de a medir em segundos, minutos, horas, meses, anos, séculos. Abrange a vida toda a eternidade, pese embora disso não se tenha plena consciência.
Compartimentá-la em lapsos de tempo é tudo o que não quero. Não quero que me desejem boas festas. Não quero que me desejem feliz aniversário, nem bom natal, nem boa passagem de ano, como se a vida parasse nesses momentos para absurdos rituais e os comportamentos estereotipados sofressem estranhas e temporárias modificações. Quero, sim, que cada um tenha consciência do tempo próprio da sua vida. Que aproveite o minuto para pensar, a hora para reflectir, o ano para ler a  experiência, a década para aprender, o século para tocar, ao de leve que seja, a sabedoria. Quero que se não façam interregnos ocos e fúteis no fluxo contínuo da vida. Que se viva absorvendo cada milésimo de segundo. Quero que o tempo seja apenas o decurso natural da vida, uma sua qualidade que a não coarcta, que a não impede, que a não cristaliza, que a não dana.
A vida não pára quando se decide usá-la para a imbecilidade, para a futilidade. Não pára quando se emprega na acção contra-natura. Nem melhora tampouco. Porém, quando se esquece o tempo e se segue naturalmente o curso da vida, há um caminho intemporal que é infinitamente eterno.
Sou incondicionalmente contra o relógio!

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