quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Que sou eu afinal?

Continuo sem saber o que sou, mas sei que sou tudo o que aparentemente não sou. Definitivamente não sou esta tristeza que me percorre, este vazio que me afoga, esta inutilidade e esta inércia que insistentes me acompanham. Sem dúvida que não sou esta dor que sinto, este sofrimento dilacerante, e muito menos sou esta ânsia sem objectivo que me consome. Não sou esta vontade de chorar sem motivo nem este aperto no coração sem razão aparente. Não sou este silêncio estéril e acutilante que me encarcera e que nenhuma palavra parece conseguir quebrar. Não sou esta incompreensão e esta ignorância que tantas vezes se assoma. Não sou esta angústia nem esta vontade indefinida e improfícua. E muito menos sou esta indolência nutrida pelo medo que limita o pensamento e a acção. Nem sou sequer esta estúpida impossibilidade que a vezes se apodera de mim nem o absurdo da conformação. Decididamente não sou solidão, não sou a aridez do deserto que me cerca.
Também não sou a imagem que se reflecte no espelho a cada manhã, nem a roupa que visto nem a comida que como. Não sou um rosto, um nome, uma profissão, uma maneira de ser. Certamente que não sou a conduta condicionada com que inconscientemente brindo os meus semelhantes nem o discurso e a acção repetitivos e irreflectidos do dia-a-dia sem sentido. Não sou o que sei, nem sou o que possuo, nem mesmo sou o fruto de um passado incutido. Não sou uma filha, uma mãe, uma irmã. Não sou uma amiga, uma vizinha, uma conhecida e nem sequer sou a imagem que têm de mim. Não sou por certo um ponto na multidão, um número na estatística e uma peça na máquina social, assim como não sou uma mera reacção automatizada na ordem estabelecida. Não sou cidadã desta cidade, não sou patriota deste país. Se calhar nem sequer sou do mundo.
E todavia sem saber o que sou, serei talvez a alegria que não deixo nascer, o vazio que não deixo preencher. Terei talvez a serventia que não ouso aceitar e serei o movimento que, inconscientemente ou por medo, me recuso a acompanhar. Pode ser que a dor e o sofrimento sejam ilusão e que aquilo que realmente sou os transcenda. E pode ser que as lágrimas que se soltam sejam o prelúdio de algo bem mais poderoso que a felicidade e que o coração se aperte por razão do êxtase e não pela mágoa. Até o silêncio que parece magoar poderá ser, talvez, a porta de um outro limiar em que a palavra carece de existência. A incompreensão e a ignorância serão quiçá o obstáculo criado por uma necessidade de protecção e sem qualquer razão de existir, e a angústia poderá ser o resultado de uma vontade mal interpretada e mal dirigida. A indolência será sem dúvida o peso esmagador da herança, da tradição, da convenção e a impossibilidade e a conformação serão o reflexo de um medo enganoso e infundado. Serei talvez imensidão e não exclusão, serei porventura oásis e não deserto.
Que sou eu afinal?

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