terça-feira, 23 de outubro de 2012

"O Manual do Homem Novo" - Segunda Parte

(continuação)



Atlas of Wander - Vladimir Kush



Palavras
Chega de argumentos. Chega de discussões intelectuais. Chega de conversas estereotipadas e banais. É preciso estar muito atento para não chegar sequer a mencionar o velho, para não se emaranhar no velho nem sequer com a palavra.
 
Palavra pausada, com ritmo humano, não com o ritmo frenético das máquinas que te rodeiam. Palavra amável, sem agredir ninguém porque aceitas todas as pessoas tal como são, que é a melhor maneira de permitir-lhe que mudem, já que nada mais podes fazer por elas. E nada menos também. Aceitá-los. A mudança é pessoal e da conta de cada um. A mudança não te separa de ninguém. Une-te a toda a gente.
Se aceitas o teu amigo, a tua esposa, marido ou filho tal como é, permites-lhe ser sincero. Ser ele mesmo (ou ela). E ninguém pode transformar-se se não souber primeiro quem é e como é. O esforço do verdadeiro valor social não reside em fazer-se ouvir, mas sim em saber permanecer, apesar de si mesmo, dentro do silêncio criador.
 
Energia
Pouco alimento. Alimento menos elaborado e mais natural. Muita serenidade. Toda a alegria que surja sem procurá-la. Não penses senão no que te acontece neste momento, no que fazes neste momento, no que te dizem neste momento. Exercita-te incansavelmente na muito difícil arte do silêncio amável. Reunirás assim a imensa energia de que precisas para tomar completamente consciência do que acontece. Vive a cada instante aqui e agora.
 
 
A transmutação
Na crise total, regida pela completa confusão, cada verdade foi transmutada para servir os astutos. Esse astuto é o homem velho, aquele que sabe gratificar os seus desejos, sejam eles quais forem.
 
O homem novo é inteligente. O homem novo compreende. O mundo novo é o da compreensão e nele não há lugar para a velha astúcia que decai e morre, porque a astúcia é tangencial à realidade. No mundo novo, não se transmutam as realidades. A realidade enfrenta-se e compreende-se, acima da dor e do prazer. Acima dos desejos individuais ou colectivos, pequenos ou grandes.
O homem novo compreende cada verdade, porque só a inteligência sincera penetra no âmago da verdade. Menospreza com alegre tranquilidade as interrupções no seu caminho. O homem novo precisa de aprender a estar só e triste no centro da realidade. O homem novo precisa de aprender a estar só e alegre no silêncio sem pausa da realidade. E a partir dessa solidão, que não é tal, intui a comunhão consigo mesmo, com os outros homens e com tudo.
 
Trabalho e recreação
Quando tiveres feito da Religião, da Política, da Técnica, da Ciência, da Psicologia, da Economia, da Recreação, da Amizade, etc., uma só e única coisa, terás dado o passo mais decisivo para terminar com a confusão e o conflito crescentes no nosso planeta.
 
Olhar realmente a glória diurna ou nocturna do céu, ou a beleza de um rosto, ou simplesmente fazer qualquer coisa, morrendo nesse instante para qualquer outra coisas que sejas ou tenhas sido, que faças ou tenhas feito, é proporcionar crepitante fogo a cada instante da tua vida.
O trabalho realizado com prazer, como uma constante recreação, será um trabalho inevitavelmente bem realizado e essa é a mais pura e honesta política, a melhor higiene mental, porque pertence a cada momento e à própria eternidade. Olhar, trabalhar, escutar, caminhar, viver dessa maneira a cada momento e não consentir sob pretexto algum viver de outra maneira, é a melhor contribuição para a economia do planeta, para a saúde mental e física, para a harmonia do mundo que é o reflexo final da nossa própria harmonia. Sê inflexível contigo mesmo para que não te impeças de viver dessa forma flexível, solta, aberta e eficaz.
Porque esperas sair do trabalho para te distraíres ou fazer política, quando ambas, distracção e política, existem no preciso instante em que se trabalha plenamente? Se o teu trabalho não pode ser assim, recreativo e total, isso significa que deves mudá-lo.
Se as tuas relações não são místicas, recreativas (o que não significa divertidas), saudáveis, harmónicas, amistosas, é fundamental que ponhas a tua essência à frente do espelho, porque te falta misticismo, recreação, saúde, amor e harmonia, porque estás confuso e em conflito.
A diversão não é mais do que uma tentativa de fugir transitoriamente de uma realidade que de alguma forma não nos agrada.
A recreação é enfrentar a realidade a cada momento de uma maneira total e coerente, é criar continuamente, e portanto, o gosto e o desgosto não têm cabimento. O que fazes ou és não pode agradar-te ou desagradar-te uma vez que se queima a cada instante no fogo da vida única e completa. Uma vida recreativa.
(continua)

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