quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A Coisa

Heavenly Fruits - Vladimir Kush



A maior Virtude é seguir o Tao e só o Tao.

O Tao é elusivo e intangível.
Embora informe e intangível, ele origina a forma.
Embora impreciso e elusivo, ele origina os formatos.
Embora sombrio e obscuro, ele é o espírito, a essência,
o sopro da vida de todas as coisas.

Através dos tempos o seu nome tem sido preservado
para evocar o princípio de todas as coisas.
Como sei de que modo eram todas as coisas no princípio?
Olho para dentro de mim e vejo o que está dentro de mim.
 
Lao-tzu em O Tao – Verso 21





Podem dar-lhe o nome que quiserem, defini-la de mil e uma maneiras, explicá-la por A + B, rejeitá-la com argumentos intelectuais de peso, negá-la com rios de provas físicas. A Coisa, porém, não é definível, não é explicável. E mesmo que rejeitada, mesmo que veementemente negada, ela continua aí. Continua aqui. Porque a Coisa é. A Coisa existe. A Coisa e nós é uma coisa só.
A Coisa é confundida com muita coisa. Isto, claro, quando se sente a Coisa. A maioria não a sente, ou se a sente, sente-a tão pouco que é como se a não sentisse.
Outros sentem-na um pouco mais. Mas sentem-na como algo que não é deles, como algo que lhes é completamente alheio. Não compreendendo a Coisa mas adivinhando-lhe a existência, em vez de a explorarem com o mesmo cuidado e carinho com que se buscam sentimentos nos escaninhos da alma, trajam-na de divindade e veneram-na. Veneram-na lá longe, no atroz limiar entre o real e a ilusão, afastando-a assim ainda mais de si próprios. Criam toda uma panóplia de dogmas, explicações, imposições. E então a Coisa, mascarada, camuflada e distorcida, permanece na ignorância e no olvido, reduzida à serventia de um vazio ritual.
Outros há que por vezes a sentem com força, com vigor. Mas, porque as suas vidas estão tão orientadas para o exterior de si mesmos, a explicação fácil e comummente aceite parece-lhes tão satisfatória que dúvidas, se as houvesse, nem a nascer chegariam. “É a inspiração” dizem uns. “É a voz da consciência” dizem outros. “Sinto uma angustiazinha, mas isto há-de passar” comentam alguns. “Parece que tenho um mau pressentimento. O melhor é pensar noutra coisa e esquecer” ou “Parece que me falta qualquer coisa. Sinto insatisfação. Vou fazer umas compras. Vou sentir-me melhor, com toda a certeza” decidem outros ainda. E a Coisa, chamada por mil nomes que não o dela, é posta de lado, ficando arrincoada num qualquer obscuro recanto da mente onde também moram a incompletude, a insegurança, o medo…
Endeusar a Coisa ou ignorá-la de nada adianta. Esquecê-la, adiá-la, escondê-la, rejeitá-la, disfarçá-la, calá-la, é absolutamente impossível. Porque a Coisa e nós é uma coisa só. A negação da Coisa na vida é uma automutilação, como se se decidisse atar uma perna à nascença e passar pela vida tendo-a mas não a usando. Viver sem consciência da Coisa é viver com limitação: existe-se mas está-se incompleto; é-se, mas não se é pleno; vive-se, mas não na íntegra.
Viver na consciência da Coisa é tudo. E quando se tem tudo, não se precisa de coisa nenhuma...
 

6 comentários:

  1. Olá...

    Com tantas coisas por aí... Até nos esquecemos que a Coisa é o...
    E o, EU esquecido, é Escravo das coisas todas que por aí andam...

    Bjhs...

    Até me ficou a doer a cabeça ;-)

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    Respostas
    1. Ah, meu caro amigo, se as pessoas soubessem o quão necessário é olhar para dentro de si próprias! Se o fizessem, mais de metade das nefastas coisas que andam por aí desapareceriam...

      Beijinhos Voz

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    2. E quem sabe desaparecería também parte do desagalho da "Coisa". Pareceu-me muito original o texto.

      Beijinhos, Isabel

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  2. Você é uma "COISA" maravilhosa, Isabel!
    Bjs,
    Sônia

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