A memória e a compreensão instantânea
Note-se que esta reflexão não é de todo um processo intelectual. O processo intelectual é um processo morto. Trata-se de uma reflexão viva que não usa os dados adquiridos, inertes e cristalizados que caracterizam o intelecto.
A memória é totalmente obsoleta no processo de compreensão instantânea.
Enquanto que todas as acções físicas, emocionais, sentimentais e mentais ficam impressas na memória e o seu registo pode ser consultado pelo exercício do esforço ou simplesmente porque uma circunstância interior ou exterior o despoletou, na compreensão instantânea o processo ocorre de uma forma muito diferente.
Imediatamente após a compreensão instantânea, que é um momento no presente, infinitamente curto mas imensamente poderoso, a sensação que se tem é que “algo aumentou e algo diminuiu”! A contradição é apenas aparente! “Algo aumentou” porque há a nítida sensação de uma consciência ampliada, há uma percepção de que o “espaço” da consciência ganhou amplitude, e “algo diminuiu” porque há, no mesmo instante, uma sensação de derrube de fronteiras, de bloqueios, há a percepção de um fluir mais livre da consciência e até do próprio pensamento, libertando-os do peso de obstáculos e outorgando-lhes maior liberdade.
Porém, o facto surpreendente é que, imediatamente após o processo acima descrito, e ao ser feito um esforço mental para recuperar os conteúdos daquela compreensão através da memória, descobrimos que eles não estão lá! Quaisquer que sejam os esforços empregues para reactivar e até dar continuidade àquela compreensão tão libertadora, o resultado é infrutífero: a memória não é definitivamente o fiel depositário da compreensão adquirida, do conhecimento adquirido! Esta é para mim a prova definitiva e irrefutável de que o verdadeiro conhecimento, a verdadeira compreensão, nunca foi e jamais será um processo intelectual!
Mas, então o que acontece àquilo que se compreendeu, àquilo que se conheceu, com tanta intensidade numa fracção tão ínfima de tempo? Porque não ficou registado na memória, perdeu-se? Não, de modo nenhum. O simples facto de se sentir nitidamente que a consciência foi ampliada constitui prova de que nada se perdeu! Esse conhecimento, essa compreensão, ficou registada, eternamente registada, a um nível cuja natureza (que não é física, não é material, não é mental) não é de todo semelhante à do processo intelectual e da memória; esse nível, chamemos-lhe assim à falta de uma palavra por enquanto melhor, não possui a característica individual que a memória possui, ou seja, eu sou capaz de recordar as minhas memórias mas não as dos meus semelhantes, o que significa que a memória é um reservatório separativo, individual, serve apenas os meus interesses. Ora, o nível da compreensão, do conhecimento, é completamente diferente: apesar de, tal como na memória, ficar registado, não é separativo mas intrinsecamente unificador! Os registos do conhecimento instantâneo podem ser acedidos e consultados, ao mesmo tempo, por todos os seres, em todos os lugares!
Concluindo, o processo de compreensão instantânea não é mais que, reunidas consciente ou inconscientemente as condições necessárias (e isto aqui é um processo demasiado exaustivo para o descrever agora!), um acesso ao depósito universal do conhecimento! Este acesso, ainda que parecendo individual, não o é! Na compreensão instantânea, não passa despercebida àquele que a tem, aquela qualidade de completude e totalidade, de abrangência e globalidade, em que o ego, a personalidade, a individualidade, não tem qualquer existência!
A memória é portanto o depósito individual, perecível dos conteúdos intelectuais e mentais e a compreensão instantânea é o acesso ao reservatório eterno, infinito e universal do conhecimento!