quarta-feira, 24 de abril de 2013

Do Tempo e do Ser

Tide of Time - Vladimir Kush

Como se amplia a angústia quando o pensamento teima em andar de um lado para o outro na ilusória linha do tempo!

Cada vez que o passado bate à porta e o deixamos entrar, fenece a alegria, medra o pesar. Se ao sofrimento de outrora estendermos a passadeira vermelha e a cada segundo lhe reiterarmos a admiração pelo sacrifício e pela dor, a felicidade, inteirando-se, foge a sete pés para lugar futuro, incerto e distante. Remexer o sótão das recordações pode, porém, constituir acto de sensatez se, ao executar dita actividade, tivermos, previamente, morrido. Só nesse estado se garante imunidade ao contágio e se poderão colher, nos rincões da memória, os intemporais fragmentos úteis à construção da vida.

Saltar para o futuro revela-se tão perigoso quanto o mergulho nas névoas pardacentas do passado. Pela sua própria natureza, o terreno gasoso do futuro nada sustém senão o desejo e a vã esperança. Construir castelos no ar ajuda o tempo a passar, mas não o imbui de qualquer realidade. Trama feita de fios de nada e urdidura de fios de coisa nenhuma são tela ambígua e instável. São o tecido do futuro em que o desejo e a esperança parecem agigantar-se e onde a felicidade, eterno objectivo do ser, se mantém distanciada, longínqua e inalcançável, em indistinto horizonte.

Passado e futuro. Duas quase inexistências sobrevalorizadas. E o presente, o momento de todas as coisas, do que já existe e do que há-de vir a ser, posto de lado. A única realidade, o agora, postergada.

No presente, já não ouvimos o vento murmulhar por entre as cores da natureza. Já nem sequer as tormentas feitas de ruidosos dilúvios e cavos estrondos, quanto mais o som imperceptível do bater das asas de uma borboleta ou o silencioso flutuar das nuvens altas e ronceiras. Já não ouvimos o bater do coração, nem o pulsar da alegria simples, aquela que chega só porque o sol brilha e o amor transborda sabe-se lá de onde. Já não ouvimos os sorrisos, nem nos pomos à escuta de prantos escondidos. Já não gargalhamos à chuva ou descalços na poça morna de água lamacenta.

No presente, já não ouvimos nada nem ninguém. Nem vemos, nem sentimos. No presente, só estamos presentes no passado e no futuro. Que é exactamente o mesmo que não estar, não ser, não existir. Fechámos os sentidos, bloqueámos os sentimentos, afastámo-nos do manancial inesgotável do todo-em-tudo-aqui-e-agora.

Como haveremos, então, de alguma vez compreender profundamente a vida, se a cristalizamos no presente, apenas para reencontrar reflexos dela num passado morto, ou projectar desejos dela num futuro inexistente?



2 comentários:

  1. Olá "Isabelinha",

    deixo-te esta música em tom de presente e que tem muito a ver com tudo isto que nos cerca, o natural e o fabricado:

    http://www.youtube.com/watch?v=sXmWAOIWg3w&feature=youtu.be

    Enquanto o tempo
    Acelera e pede pressa
    Eu me recuso faço hora
    Vou na valsa
    A vida é tão rara...

    Enquanto todo mundo
    Espera a cura do mal
    E a loucura finge
    Que isso tudo é normal
    Eu finjo ter paciência...

    Será que é tempo
    Que lhe falta para perceber?
    Será que temos esse tempo
    Para perder?

    Partes da música

    grata pelo que me dás a ler

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  2. Minha querida aNatureza, é por haver pessoas como tu que não se extingue a minha esperança de um futuro melhor!

    Muito obrigada por me leres!

    Beijinhos!

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