Haven - Vladimir Kush |
Há que
ignorá-las e avançar. Avançar sem olhar para trás. Avançar, apesar de tudo. Caso
contrário, é sério o risco de morrermos sem termos alguma vez vivido.
Sim,
porque se a vida for simplesmente um palco encenado por tradições cujas origens
desconhecemos, e que nem sequer curiosidade nos suscitam; se o cotidiano for
apenas uma peça de teatro que se desenrola entre personagens apáticos e fleumáticos,
escrita por desconhecidos que se ocultam nos bastidores; se o pensamento for tão
só um espaço fechado, qual caverna de Platão, onde a plateia permanece num
perímetro de segurança estrategicamente instalado, a salvo de ideias virgens, de
extrapolações fantásticas e de tomadas de consciência; então, está-se morto
para a vida!
Mas,
como se ignoram os limites impostos, era após era, com a pérfida e egotista subtileza
da malignidade imperante? Como se apagam os estigmas seculares marcados na
mente, a ferro e fogo, pelos dogmas religiosos, pelas políticas simuladas,
pelas mentiras convenientes? Como se desconstroem pensamentos e convicções,
ideias pré-concebidas, ideais cristalizados, crenças e dogmas, leis e normas e
regras que, na sua aparente universalidade, tão-somente servem desejos e
situações elitistas e específicas?
Como?
Transpondo fronteiras, eliminando obstáculos, questionando incontestabilidades,
desmiuçando o que se toma como certo, esboroando até ao nada impedimentos gerais
e pessoais, ignorando miragens e seduções. Começando de novo, sozinhos, por nós
próprios, a partir do zero, porque tudo o que hoje temos é de lavra e pertença
de outros. Levando a sério a coragem que nos inflama o coração sempre que sentimos,
ainda que ao de leve, qualquer ínfimo fragmento da Verdade. Rumando em direcção
ao desconhecido, tão despojados quanto pudermos, depois de haver enterrado o
medo que sempre nos acompanhou antes de tomarmos posse e pulso da nossa própria
vida.
Para
lá de impostas fronteiras, de horizontes fictícios, existem vastidões
inexploradas, imensidades à espera que delas tenhamos consciência. Para lá dos
estigmas e dos pensamentos e conceitos estereotipados, existem, ao nosso
inteiro dispor, possibilidades infinitas. Possibilidades de pensamento, de
consciência, de criação.
Para
lá de impostas fronteiras, longe de repetições e propagandas, na mais completa
nudez de mente e alma, talvez encontremos a tão almejada resposta à mais
fundamental das perguntas: Quem sou eu?