É na selva que vivemos e rodeados de animais selvagens, e que me perdoem as verdadeiras selvas e todos as espécies da fauna e da flora que lá habitam!
Se não há lugar para estacionar, o parceiro habilidoso dá um toque no carro da frente e um toque no carro de trás e lá enfia o veículo no espaço arranjado à força, deixando-nos a nós, os “tansos”, completamente enlatados! Ou então, com ademãs de superioridade, aquela superioridade que advém da ignorância e da barbárie, estaciona em segunda fila e lá vai à sua vidinha insípida, deixando a vidinha dos “tansos” suspensa por tanto tempo quanto os seus mesquinhos afazeres assim o exijam. E depois, se nós, os “tansos” reclamamos, cobertinhos de razão, ainda ouvimos impropérios em frases mal construídas mas alagadas de prosápia que corroboram o vazio incivil que lhes povoa o cérebro. Bazófia ou não, os habitantes da selva citadina é que levam a melhor aos “tansos” como nós, que por força de princípios e de respeito pelo semelhante, engolimos mais um sapo e novamente constatamos que estes espécimens ferozes não são de todo domesticáveis!
No trânsito é o mesmo! São os ases do volante que se nos colam à traseira e que nos ultrapassam como se fossem insanos suicidas, ou as fêmeas estereotipadas de óculos escuros e melenas trigueiras ao volante de topos de gama que, por falta de miolos, e quiçá por falta de inteligência, não têm noção da lateralidade e a regra da prioridade escapa-se-lhes entre as unhas récem-cuidadas no salão de beleza ou no spa! E não ousemos nós, os “tansos”, contrariar tais comportamentos sociais, já que os olhares flamejantes que nos lançam, sempre imbuídos de uma altaneira expressão, se não nos intimidam – que na realidade não intimidam – desmotivam-nos certamente a dar-lhes troco sensato!
E quanto às gasolineiras? Há uma que diz que dá combustível grátis até ao final do ano. Vai-se a ver e a coisa até impõe um tecto pecuniário! E desse tecto, nós os “tansos” abastecemos no valor de trinta euros e ainda deduzimos o IVA! Feitas as contas, se tivermos a sorte de ganhar, o prémio que toca são uns míseros setenta euritos mensais! E os “tansos”, que somos nós, querendo poupar uns cêntimos, levados pelo rufar dos tambores da selva que anunciam aos quatro ventos uma vantagem hipnotizante que afinal não existe, lá vamos abastecendo, docilmente, trinta euros de cada vez , e tantas vezes quantas a nossa inconsciente ingenuidade o permita, para ver se ganhamos alguma coisa. E enquanto isso, a gasolineira, esfregando as mãos de contente, engorda os cofres à custa da inumerável quantidade de “tansos” que aliciou. Juízo, isso sim, deveríamos ganhar!
Quanto a piscas e a setas indicadoras no pavimento, então nem se fala! Os primeiros pura e simplesmente caíram em desuso, e os indivíduos que vêm atrás do condutor que de repente muda de direcção, nós, os “tansos”, que se acautelem, não vão abalroar o veículo do animal! Com as segundas a coisa ainda se torna mais caricata. É que se estivermos num parque de estacionamento e seguirmos as setas, todas as probabilidades são de que a manada avance em sentido contrário! O gado arranja assim rapidamente um lugar e nós, os “tansos”, lá continuamos a dar voltinhas, sempre no sentido das setas, até paciente e placidamente encontrarmos um!
E nas rotundas? Por acaso saberão explicar-me porque é que a grande maioria dos condutores vindos da faixa do meio, intrépidos e “cheios de razão”, se atravessam perpendicularmente à frente de nós, os ”tansos”, que, segundo diz a regra, sensatamente estamos já colocados na faixa mais exterior para usar a saída imediatamente à nossa direita? É que acho altamente improvável que semelhante quantidade de símios decida mudar de faixa de repente para seguir por onde seguimos! O que resta então aos “tansos”, que somos nós? Resta-nos travar a fundo e dar passagem a esses primatas acéfalos!
Que nos assista uma paciência infinita, a nós, os “tansos”!
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