Eos, deusa grega da Aurora |
O levantar é sempre uma agradável perspectiva. A aurora que Eos mais uma vez despontou é a antecâmara do novo, um renascer sempre diverso. Qualquer nuvem, mais ou menos densa, que tivesse ensombrecido a alma no dia anterior por certo se haveria dissipado durante a noite, enquanto corpo e mente serenamente se entregavam aos cuidados de Hipnos e Morfeu. Surge, por isso, sempre radiante e pleno, o crepúsculo matutino, seja qual for a cor de que se veste.
Desde o levantar até à fracção de segundo anterior ao primeiro contacto com a balbúrdia mundana, o viver é um fluir constante do pensamento, um brotar de ideias, um confortável e simples existir em regiões insusceptíveis de definição. O funcionamento da mente e do corpo é natural, espontâneo, não forçado, sem tensões. Sob estas condições em que, possante e firme, coexiste uma inexplicável liberdade, sou não sendo eu, sou sem nome e sem forma, sou o que nesse momento é. E assim vivo até ao instante em que a porta se abre para me deixar sair.
Hemera, deusa grega do Dia |
Às mãos de Hemera começa o dia e instala-se então a desordem, a confusão. Filas de trânsito, manobras insuspeitadas, travagens bruscas, correrias e ruído, ruído, ruído. E eis a vida em suspenso. A partir de agora, e até que o sol se ponha indiciando o almejado regresso, o comportamento mecanizado, um estranho colete-de-forças que estrangula o fluxo da vida, preencherá as horas. Horas em que permanecer sã é titânico desafio, em que os estereótipos entram sem convite e fervem na corrente sanguínea tentando transfigurar incautos e crédulos. Horas em que as acções, as atitudes, as palavras, as opiniões, são simples artigos em série que abastecem o ávido consumidor do paradigma vigente. Horas de tal efemeridade e falsidade que até os sensatos pensamentos tidos na alvorada, que então, no afã de alcançar o divino, se moviam por entre o perfeito e o sublime, parecem agora, se lembrados, tão assustadoramente irracionais que mais se assemelham a bizarras esquizofrenias ilustradas em forma de imagens mentais.
Nix, deusa grega da Noite |
Hespéra, deusa grega do Crepúsculo |
E antes de voltar ao reparador regaço de Hipnos e de aceitar as oferendas de Morfeu, aí estou eu outra vez sendo, não eu, mas o que é nesse momento.
Hypnos and Thanatos, Sleep and His Half-Brother Death by John William Waterhouse |
Nota: Eos, Hemera, Hespéra e Nix, pinturas de William-Adolphe Bouguereau
E há quem, por incrivel que pareça, tenha medo da aposentadoria. Eu estou adorando!!! Posso me organizar conforme pede o dia...:)
ResponderEliminarAbraços, Isabel. Bom Carnaval. (detesto a muvuca que rola por aqui)
E você, estimada Sónia, sempre com aquela sua fantástica perspicácia de ir directa ao ponto fulcral dos meus posts!
ResponderEliminarAbraço grande!