O anónimo esconde o rosto mas deixa perigosamente à vista o seu carácter! |
Sempre fiz um esforço para tentar compreender o uso do anonimato. Compreendê-lo pela positiva, claro está. Tentar perceber nele uma causa justa, vislumbrar-lhe uma pontinha de nobreza, enfim, algo que o legitimasse na proporção directa do seu cada vez mais frequente uso. Nada. Nunca fui capaz de encontrar nada sensato que o desculpasse.
Portanto, e até prova em contrário, o anonimato continua a ser para mim a mais comum e estúpida forma de cobardia. O indivíduo cobarde fervilha de emoção ao imaginar-se corajoso. Infla-se-lhe o ego, desabrido desata-se-lhe a voar o pensamento, e a simples visão mental da coragem e da bravura provoca-lhe um quase “orgásmico” estremecimento. Mas não passa disso mesmo: imaginação. Na realidade, o indivíduo cobarde é um indivíduo que não amadureceu. Estará talvez numa adolescência tardia em que o assumir de responsabilidades e a tomada de consciência do que é estão ao nível da importância de um jogo de futebol ou de uma noite de copos; estará numa adolescência a destempo em que a imaginação e a fantasia constituem uma saída viável para o medo de enfrentar a realidade, achando portanto preferível sonhar eternamente com a queca que haveria de dar à loira da turma em vez de enfrentar, em resposta à sua solicitação, uma frustrante recusa ou, ainda pior, uma lancinante zombaria.
O anonimato pode, portanto, significar um escudo de protecção, uma forma de evitar a exposição directa à realidade frustrante e dolorosa. Pode, também, significar uma auto-estima muito baixa, uma auto-confiança quase inexistente, e neste caso o anonimato funciona como um grito de socorro, um pedido de atenção, uma necessidade de mostrar aos outros que se existe.
O anónimo precisa de medir forças para se alhear da sua cobardia, anseia pela comparação com os outros para poder calar a voz que lhe sussurra “tu não és tão bom quanto eles”. O anónimo opina acerca de tudo, do que sabe e do que não sabe, tentando provocar reacções; e cada reacção significa, para ele, a importância, a confiança, a atenção que não consegue encontrar em si próprio por si próprio.
Não merece, pois, o anónimo resposta alguma. Qualquer uma que se lhe desse seria como presentear o ébrio com uma garrafa de vinho. Não merece o anónimo um laivo de credibilidade já que tudo o que transmite advém de raciocínios desviantes. Mas merece, isso sim, compaixão.
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