(Flandrin, Hippolyt - Jeune Homme Nu Assis - Louvre)
Apanágio dos dias de hoje é o culto de “o mais”. O mais caro, o mais bonito, o mais rico, o mais moderno, o mais esperto. As vinte e quatro horas de cada dia da vida do devoto deste culto são dedicadas à adoração do efémero. Não há tempo para nada mais se se quiser ser o primeiro, o mais importante, o mais destacado, o mais famoso, o mais badalado. Preenchem-se então os dias com todo o tipo de idiotices, que vão desde o futebol à política e aos implantes mamários. Procura-se afincadamente “o mais” em tudo o que possa colmatar o ego de satisfação. Porque é esse o deus deste culto. Há que mantê-lo contente, saciado. Há que cobri-lo de oferendas, sempre diversas, sempre novas na sua transitória qualidade, não vá ele tomar-se da ira e desaparecer, deixando os devotos sem protecção. E isso sim, seria desastroso.
Sem a parafernália que o culto exige, sem a inspiração para a criação de ideias e objectos inúteis que a egocêntrica divindade insufla nas mentes imbecilizadas dos devotos, sem as vestes que os obriga a usar, e sem o cenário irreal montado pela cegueira dos seguidores e consolidado pela divindade no seu ávido desejo de veneração, o devoto ficaria completamente nu. Ficaria exposto. Sentir-se-ia desamparado, completamente indefeso. Abandonado pelo deus do externo, despojado de todo e qualquer sustentáculo concreto, o devoto ver-se-ia reduzido ao último reduto material: o seu próprio corpo.
Assim desapossado, ver-se-ia tão comum e tão similar a todos os outros desolados seguidores. Sem a sua pretensa singularidade, sem a sua inconsistente originalidade, haveria de chegar o medo. E o medo colar-se-lhe-ia à pele.
Num mundo de completas ausências objectivas, por única companhia esse medo devastador da insignificância em que se tornara, frustrado pela colossal impotência que o assolava, o devoto voltar-se-ia para a única coisa que lhe restava: para si próprio. E dentro de si encontraria um surpreendente e desconhecido mundo de consciência que o traria de volta à humanidade.
Mas isto é só e apenas um puro devaneio de quem está a escrever. Tal como são as coisas nos dias de hoje, o devoto do culto de “o mais” irá continuar, quiçá ad aeternum, nesta aberrante atrofia.
Nao sei como cheguei aqui, mas este post, melhor, este texto, está impressivo. Não apenas me cativou a cada palavra, porque fluente e belo no dizer, como porque revela a genuína verdade da existência humana. Muitos, muitos parabéns. O texto está grandioso. Speechless. Gostei mesmo muito.
ResponderEliminarCaro Daniel, muito, muito obrigada! Nem imagina o quão importante é para mim ter sabido transmitir o meu pensamento e vê-lo tão bem recebido!
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