segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Aventar – Blogs do Ano 2011


O FaceDaLetra participou no Concurso e agradece todas as visitas recebidas!


Ao blogue Divina Comédia, os meus parabéns! A vitória foi mais que merecida! Na categoria de Auto-conhecimento / Reflexão Filosófica o Divina Comédia foi ímpar!
E se para alguma coisa vale a minha opinião, o blogue Ponteiros Parados, tão injustamente detido na primeira eliminatória, seria, a meu ver, um segundo lugar de eleição!
Ao Aventar, os meus parabéns pelo modo íntegro como organizou e dirigiu o evento desde o início e, sobretudo, pela estóica e paciente atitude demonstrada perante a idiotice, a estupidez e a mesquinhez dos mil e um comentários dos mil e um pobres de espírito!

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O culto de "o mais"

(Flandrin, Hippolyt - Jeune Homme Nu Assis - Louvre)


Apanágio dos dias de hoje é o culto de “o mais”. O mais caro, o mais bonito, o mais rico, o mais moderno, o mais esperto. As vinte e quatro horas de cada dia da vida do devoto deste culto são dedicadas à adoração do efémero. Não há tempo para nada mais se se quiser ser o primeiro, o mais importante, o mais destacado, o mais famoso, o mais badalado. Preenchem-se então os dias com todo o tipo de idiotices, que vão desde o futebol à política e aos implantes mamários. Procura-se afincadamente “o mais” em tudo o que possa colmatar o ego de satisfação. Porque é esse o deus deste culto. Há que mantê-lo contente, saciado. Há que cobri-lo de oferendas, sempre diversas, sempre novas na sua transitória qualidade, não vá ele tomar-se da ira e desaparecer, deixando os devotos sem protecção. E isso sim, seria desastroso. 

Sem a parafernália que o culto exige, sem a inspiração para a criação de ideias e objectos inúteis que a egocêntrica divindade insufla nas mentes imbecilizadas dos devotos, sem as vestes que os obriga a usar, e sem o cenário irreal montado pela cegueira dos seguidores e consolidado pela divindade no seu ávido desejo de veneração, o devoto ficaria completamente nu. Ficaria exposto. Sentir-se-ia desamparado, completamente indefeso. Abandonado pelo deus do externo, despojado de todo e qualquer sustentáculo concreto, o devoto ver-se-ia reduzido ao último reduto material: o seu próprio corpo. 

Assim desapossado, ver-se-ia tão comum e tão similar a todos os outros desolados seguidores. Sem a sua pretensa singularidade, sem a sua inconsistente originalidade, haveria de chegar o medo. E o medo colar-se-lhe-ia à pele. 

Num mundo de completas ausências objectivas, por única companhia esse medo devastador da insignificância em que se tornara, frustrado pela colossal impotência que o assolava, o devoto voltar-se-ia para a única coisa que lhe restava: para si próprio. E dentro de si encontraria um surpreendente e desconhecido mundo de consciência que o traria de volta à humanidade.  

Mas isto é só e apenas um puro devaneio de quem está a escrever. Tal como são as coisas nos dias de hoje, o devoto do culto de “o mais” irá continuar, quiçá ad aeternum, nesta aberrante atrofia.


terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Os Quietos e os Irrequietos

A continuada constatação de que, efectivamente, os homens são ou quietos ou irrequietos, levou-me a sentir vontade de repetir uma publicação de 2010:




Aos homens divido-os em dois tipos: os quietos e os irrequietos.

Os primeiros, os quietos, que contraditoriamente são os que mais ruído fazem, são também os mais numerosos. São aqueles de quem se fala, aqueles que falam dos outros, aqueles que não falam porque têm que se lhes diga, aqueles que falam sempre e aqueles que por mais que falem ninguém os ouve.


Vivem prisioneiros do tempo e contam-no com a mesma ganância que contam o dinheiro. Que também é seu carcereiro. Perdem-se em emaranhados indestrinçáveis de desejos, caprichos e fantasias. Costumo observá-los de longe sem que me notem, e não consigo ver, nas suas actividades tontas e fúteis, um laivozito que seja de sensatez e seriedade. Prefiro as formigas. Além do senso comum que lhes é característico são mais ordeiras e nada barulhentas nem espalhafatosas.


Os homens quietos, os ruidosos, andam sempre curvados sob o peso do passado. Gastam a maior parte da sua energia a relembrar e a festejar, só que com muito mais frivolidade do que antes, os pretensos actos e feitos dos seus ancestrais. Misturam e valorizam por igual tradições, superstições e imaginações, distorcem factos e acontecimentos, e nem parecem importar-se com isso. Constroem, sem alicerces, belos castelos de areia e passam a vida a inventar meios e maneiras de serem o que não são.


Orgulham-se de tornar complexo aquilo que é simples. Por outro lado queixam-se da vida que, dizem eles, é feita de problemas e de dificuldades. Padronizaram os sentimentos e vendem-nos como se de mercadoria se tratasse. Com os pensamentos fizeram o mesmo. E com a inconsciência do ignorante e a sandice do imbecil, dão-se ares de importância e pretendem ostentar uma inteligência que nunca tiveram. Prefiro os macacos. Se alguma coisa padronizaram foi a cata de piolhos, mas pelo menos não se incomodam em parecer mais inteligentes do que o que são.


Os segundos, os irrequietos, são totalmente diferentes e por estranho que pareça são muito silenciosos. São poucos, muito poucos. Têm espíritos revoltos, naturalmente insatisfeitos, são inquisitivos e estão imbuídos de uma inquietação serena e pacífica que penetra afectuosa mas irremediavelmente o mais espesso dos véus da ignorância.


Interiormente turbulentos, movem-se nas areias movediças do pensamento. Exploram o interior humano com a mesma impassibilidade e domínio de um pescador em alto-mar num qualquer dia de tempestade.


De alma inflamada, em rodopios e turbilhões constantes, percorrendo caminhos desconhecidos que levam às profundezas dos infernos e às celestiais alturas do paraíso, os irrequietos permanecem serenos. Só assim podem prosseguir a busca em sendas pejadas de armadilhas e encruzilhadas.


Inebriados por uma liberdade irrefutavelmente plena que só o homem que duvida pode saborear, transportam-se para além das nuvens que ensombram o quotidiano e de mão dada com o que ninguém quer ver, tecem no silêncio e no infinito as próprias redes que sustentam a vida.


Os irrequietos, ao contrário dos quietos, precisam de muito pouco, não anseiam nada e jamais querem ser aquilo que não são.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Que me importa?




Sou uma pessoa ridícula. Agora chamam-me louco. Isso seria uma promoção se não fosse que permaneço tão ridículo a seus olhos como antes. Mas agora não guardo rancor por isso, todos eles me são queridos agora, mesmo quando se riem de mim – e, de facto, é precisamente nessa altura que me são particularmente queridos. Podia participar no seu riso – não exactamente rindo-me de mim, mas por afeição a eles, se não me sentisse tão triste quando olho para eles.
Fyodor Dostoevsky em O Sonho de Um Homem Ridículo





Importa-me o que pensam de mim? Importa-me que me achem isto, aquilo ou aqueloutro?

Afinal, sou tudo isso que eles pensam de mim. Sou-o, de facto, para eles. É assim que me vêem. E assim me julgam e assim se convencem que sou o que pensam que sou. Mas a mim, que me importa isso? Não me conheço pelas opiniões deles, conheço-me, sim, pelas que eu própria tenho de mim. Encontro muitos mais defeitos em mim, quando para mim olho, do que eles alguma vez serão capazes de me apontar. E até já se deu o caso de uma alminha me ter tecido um elogio que, sendo completamente imerecido, me abriu portas a uma amálgama de imperfeições que até aí não tinha notado na minha pessoa.
“Não vives neste mundo”, “construíste um mundo irreal”, “ninguém pensa assim” dizem-me tantas vezes. “Isso é absurdo, é rídiculo” insistem. Mas eu, louca e ridícula aos olhos deles, prefiro o meu absurdo à lógica cristalizada dos que assim me censuram. Envolve-me uma densa tristeza, não porque pensem isso de mim mas porque se encerram em definições e juízos, porque se confinam a pensamentos mortos, porque se limitam com uma cerca que nunca querem transpôr. Jamais sentirão o desafio de ser.
Há vida no meu absurdo e alegria na minha ridiculez. Há criação na minha loucura. Há nascimentos e mortes e trevas e luz. Há pensamentos vivos, constatações abismais e campos abertos a fugir de vista para explorar. Mudo de ideias quando quero e não preciso de ser coerente. Mudo com a vida, que ela é sempre diferente. Olho para as coisas sem filtros no olhar, como se fossem coisas novas, nunca vistas, acabadas de criar. E mato sentimentos quando quero porque os apanhei em flagrantes falsidades. Ou crio sentimentos novos e novas formas de olhar porque os apanho subitamente tão repletos de verdade.
O que para mim é, para eles não é. O que me mira e me desafia esconde-se do olhar deles. O que ouço no silêncio não o ouvem eles nem que ressoasse como trovão.
Que me importa o que pensam de mim? Todos somos únicos e eu, absurda, louca e ridícula, quero mesmo é ser como sou.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Contra o relógio

O tempo não é senão o ribeiro em que vou pescar.
Henry David Thoreau

Que facilmente se distrai o ser humano! Basta a perspectiva de um bailarico e de um foguetório, e ei-lo que se deixa embalar e seduzir como criança no berço a sugar na chupeta!

Natais, passagens de ano, páscoas, carnavais e todo o tipo de celebrações não são nada mais, nada menos, que panaceias inconscientemente desejadas para os males que afligem a alma humana. Por que razão haveríamos de festejar uma data, um ponto no tempo, se ele é conceito que nem sequer somos capazes de entender? E, ainda por cima, o conceito diverge: o calendário gregoriano é diferente do judeu, do islâmico, do maia. Razões superficiais, de base religiosa ou pagã, desejos carentes de realização, portanto, são o que levam o homem a festejos.
Se procurarmos algum sentido na celebração, que melhor exemplo poderá haver que o festejo solitário ou em privada companhia, de eventos que, íntimos, infímos, discretos e aparentemente de pouca monta, modificam a nossa vida e abrem alas à compreensão?
Enquanto escrevo, em pano de fundo a orquestra filarmónica de Viena, interpretando Strauss, embala-me no sonho de uma vida sem tempo. Uma vida que se vive momento a momento sem a mesquinha necessidade de a medir em segundos, minutos, horas, meses, anos, séculos. Abrange a vida toda a eternidade, pese embora disso não se tenha plena consciência.
Compartimentá-la em lapsos de tempo é tudo o que não quero. Não quero que me desejem boas festas. Não quero que me desejem feliz aniversário, nem bom natal, nem boa passagem de ano, como se a vida parasse nesses momentos para absurdos rituais e os comportamentos estereotipados sofressem estranhas e temporárias modificações. Quero, sim, que cada um tenha consciência do tempo próprio da sua vida. Que aproveite o minuto para pensar, a hora para reflectir, o ano para ler a  experiência, a década para aprender, o século para tocar, ao de leve que seja, a sabedoria. Quero que se não façam interregnos ocos e fúteis no fluxo contínuo da vida. Que se viva absorvendo cada milésimo de segundo. Quero que o tempo seja apenas o decurso natural da vida, uma sua qualidade que a não coarcta, que a não impede, que a não cristaliza, que a não dana.
A vida não pára quando se decide usá-la para a imbecilidade, para a futilidade. Não pára quando se emprega na acção contra-natura. Nem melhora tampouco. Porém, quando se esquece o tempo e se segue naturalmente o curso da vida, há um caminho intemporal que é infinitamente eterno.
Sou incondicionalmente contra o relógio!
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