domingo, 3 de julho de 2011

À beira-mar

Abandonaram-me as musas
como se a fonte de Castália houvesse secado,
e a inspiração, o alento da vida, para sempre houvesse calado
o meu sentir.

Como se o coração, outrora vivo,
quisesse parar de tanto correr
e quieto, cansado, ousasse agora para sempre ficar mudo
e não mais tivesse vontade de explodir.

Abandonaram-me os deuses,
e seus carros velozes não mais pude seguir
pelos céus, que agora rasgados, queimavam impávidos os restos
do meu existir.

Desolada a alma, apagado o olhar,
de pensamento vazio, emudecido o lamento,
como se nunca houvera nascido,
fui sentar-me à beira-mar.

Abandonada,
ao vento entreguei o que de mim restava.
Fiquei só portanto, completamente despojada,
por companhia nem sequer a dor, nem sequer o pranto.

E o mar ali à beira,
quedo, cobrindo como manto o horizonte do olhar,
murmurava, como se em segredo,
o segredo do seu viver, do seu ser, do seu estar:

Tinha corpo, tinha alma, tinha força e tinha fúria,
tinha calma, arrojo, espuma e candura;
por vezes, altaneiro, parecia o dono do mundo,
e outras, de tão humilde e manso, branda criatura;

tinha o fundo que o sustentava, fetal amparo,
e no céu imenso, esse desconhecido que via o seu matiz
na cor das águas reflectido, um infinito inexplorado;
e aqui, na sua beira, a cada onda rebentada, a osmose perfeita entre água e areia.

Sentada à beira-mar,
fui inspirada, insuflada de vida, extasiada
por uma simples gota d’água salpicada ao acaso:
ela é o oceano inteiro, não importa o seu tamanho, o seu paradeiro;

é una, completa, é o todo numa parte, numa poeira;
e eu, que me sentira vazia, que morta vivia desperdiçando a vida,
por causa dela,
tomei-me de nova energia e eis-me de novo intacta, inteira.

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