quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Um só

Toda a gente está alegre
como se desfrutando da maior festa,
ou dirigindo-se aos terraços na Primavera.
Só eu ando à deriva sem direcção,
como um bebé que ainda não sorriu.
Só eu ando triste como se não tivesse lar.
Toda a gente tem mais do que precisa,
só eu pareço ter necessidade.
Tenho a mente de um tolo, que confuso estou!
As outras pessoas são inteligentes e espertas,
só eu sou obscuro.
As outras pessoas são vivas e seguras de si,
só eu sou lento e confuso.
Sou inquieto como as ondas do mar,
como o vento agitado.
Toda a gente tem um objectivo,
só eu sou teimoso e incómodo.
Sou diferente das outras pessoas,
Mesmo assim, sou alimentado pelo Grande.

Lao Tzu
em Tao Te Ching - Verso 20


Quando se toma verdadeira consciência da vida, e isso pode acontecer num qualquer período temporão ou tardio, o caminho que então se depara é um só. E não é certamente nenhum dos traçados pela ordem estabelecida. Tampouco são os que advêm da tradição, mecanicamente trilhados desde tempos imemoriais. Não é nenhum dos que a modernidade inventa e muito menos algum nascido das sombras de esoterismos esquizofrénicos.
É um golpe fatal, essa tomada de consciência. Fere de alto a baixo, por dentro e por fora. Mata sem dó nem piedade crenças, convicções, ideais. Reduz a pó os periclitantes castelos de areia até aí tão bem urdidos. Expõe uma nova nudez que jamais envergonha ou precisa de ser coberta. O sentido das coisas perde o sentido e nasce um sentido novo que nada tem a ver com as coisas.
Os desassossegos, as inquietações, as provações já não são dor nem mágoa nem tristeza, são dádivas. A ofensa já não ofende, o juízo alheio já não perturba, a defesa da opinião própria já não interessa. Já não se desperdiça a palavra e todo o acto é ponderado.
E porque assim é, está-se só, é-se só, e o caminho a trilhar é um só: o caminho da solidão!

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Reservo-me o direito de...

Vive-se num néscio faz-de-conta. É notório, é inegável. Imagina-se uma vida assim ou assado, que nem sequer é fruto de uma imaginação livre e fecunda, mas de uma perspectiva condicionada e limitada por mão alheia, e depois é só sonhar dentro daquele círculo restrito e nos moldes que uma parvoeira colectiva vai ditando.
Daí até à deturpação do natural, até à perversão do mais inócuo e benigno senso comum, é um pequeno passo. De repente, no entusiasmo cego de se vir a ser “alguém” na vida, nada mais importa senão a casmurrice básica e grosseira de atingir um fim.
As armas são a cópia, a imitação, o seguir um caminho já trilhado com tolas pretensões de originalidade, e, o que é bem mais grave, o atropelo implacável e premeditado dos outros na corrida a uma ascensão que não é mais do que uma queda abismal no mais profundo dos infernos. O inferno da ilusão, onde se atribui importância ao não importante, onde se dá valor à inutilidade absoluta, onde se idolatra e cristaliza o inexistente.
O exemplo passou a ser um pau de dois bicos, e a tendência, crescente ao longo dos tempos, tem sido o uso e abuso do bico da esperteza astuta. O outro bico, o da sensatez, apanágio de uma muito pequena minoria, foi completamente ignorado, esquecido, ou não fosse esse o que mantém sob controlo o egocêntrico ego em favor do bem comum, e que, portanto, coarcta os fins individualistas em vista. O fortalecimento do ego, a sua veneração como se fosse o único veículo de sobrevivência, embrutece o juízo, impulsiona o culto da imagem e cobre com espessos mantos de ignorância a outra parte do ser que não é ego. E é assim que esta imbecilidade adquirida (não acredito que seja inata, apenas incutida por contágio) atinge e violenta, de uma forma estrepitosamente cruel, todos os sectores da vida humana.
Assim sendo, não há nada de novo para dizer, nem para fazer. Só poderá acontecer a exacerbação da decadência instalada. As conversas são por demais repetidas porque os temas são sempre os mesmos. As dissertações, os discursos, os sermões, todos radicam no mesmo velho padrão de estupidez inventado algures no tempo. A comunicação entre os seres não é mais que um papaguear obsoleto, e da discussão já não nasce a luz porque a oposição de ideias é mero fingimento que oculta interesses afinal comuns. As acções são velhas, insistente e obstinadamente vestidas à moda, e por isso, ridículas e ineficazes. Não há criação, originalidade. Perdeu-se o salutar hábito de ir à fonte buscar água fresca para saciar a sede. Banha-se pois a multidão no mesmo charco estagnado.
É por tudo isso que me reservo o direito de tapar os ouvidos, de fechar os olhos e de ficar inactiva, sempre que me apetecer.
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